Sigamos a doxa e comecemos com uma epígrafe:
«O método deste trabalho: montagem literária. Não tenho nada para dizer. Apenas para mostrar. Não escamotearei nada de valioso, nem me apropriarei de formulações espirituosas. Mas os farrapos, o que cai dos dias: esses não vou inventariá-los. Vou deixar que afirmem os seus direitos da única forma possível: dando-lhes uso.» Walter Benjamin, O Livro das Passagens/Das Passagenwerk (frag. #1a, 8)
NOTA
Se atentarmos na origem etimológica da palavra montagem – trazer as coisas de baixo para cima –, encontraremos uma relação original com o conceito de edição naquilo que é a sua função selectiva e legitimadora; só mais tarde, foi adquirindo o sentido que hoje lhe atribuímos, ou seja, de junção das partes.
Para Serguei Eisenstein, a montagem corresponde literalmente à edição e às estratégias de modelação emocional do discurso. No seu primeiro ensaio, de 1923, antes de realizar qualquer filme e quando ainda trabalhava na produção teatral, Eisenstein introduz a noção de «montagem de atracções», ou seja, a reunião ou junção de efeitos teatrais para gerar uma resposta emocional da audiência. Eisenstein, claramente um retórico, ambicionava efeitos poderosos que levariam a sua audiência a sentir e pensar exactamente aquilo que queria que esta pensasse e sentisse. O autor seguia Vertov e Kulechov, que demonstraram um princípio crucial no processo cinemático: a audiência irá relacionar quaisquer duas imagens sequenciais de um modo narrativo ou conceptual. O editor das imagens cinemáticas encontrava-se, então, numa posição de grande controlo ou poder emocional ao dirigir a recepção da obra, e era a montagem o princípio retórico que revelava ao espectador a força criativa do trabalho autoral.