A: Encontrado ou perdido, reciclado, trabalhado, fabricado ou inventado, produzido ou contemplado, o objecto habita o centro das preocupações, das práticas e dos discursos nas artes contemporâneas e...
V: Não, não, não, quer dizer, sim obviamente, mas começar assim? O objecto não é outra coisa senão ele mesmo? Bem, desculpa, continua.
A: A crise e insatisfação relativa aos seus limites (do objecto) deu lugar a uma renovada necessidade de colocar processualidade e performatividade no elenco das trocas, assim como de encontrar formatos de apresentação e dispositivos baseados em situações e relações entre pessoas produtoras, expectantes, participantes, tradutoras – dentro do universo dos artistas, do mercado, do público e das fábricas da cultura.
V: O tema não é novo.
A: Ok, já entendi.
V: Então diz.
A: Temos de ir mais atrás. As investiduras no tema do objecto em geral, mesmo no que diz respeito à história da arte, parecem passar primeiro por uma teoria do conhecimento que define o objecto como aquilo que está diante do sujeito cognoscente, que deve revelar os seus «segredos», ser analisado, dominado, classificado, asseptizado e ficar independente e separado do sujeito. Este contexto do saber produz uma relação de conhecimento supostamente neutra com o objecto. Ele não seria portanto activo, nem eficaz, nem ameaçador e não participaria na dinâmica das nossas vidas. Por consequência, não podemos realmente ser transformados por ele.
Mas se, pelo contrário, ele for um lugar da imaginação?
V: O objecto ou o sujeito?
A: ...(suspira)
V: Não não, não dá.
(pausa)
A: Bem, visto de fora, como todos os que dizem não, como todos os que interrompem, pareces ter uma personagem com uma intervenção mais qualquer coisa, embora...
V: ...saibamos que o esperado de um «objecto» editorial é que sumarize o sumo da coisa que vem aí? Sim. Ora, sumarizas tu ou sumarizo eu?
A: Bem, os futuristas a seu modo colocaram a máquina em marcha e depois nos anos 60 e 70, trocou-se a tela pelo corpo, a galeria pela rua, a prática curatorial experimental ganhou fôlego, a acção tornou-se...
V: ...queres mesmo falar nisso?
A: Sim, quer dizer, mas sabemos que mais tarde viria a tornar-se documentação assimilada no fetiche do arquivo, materializada como história e obra de arte passível de ser vendida, passível de ser exposta numa vitrina de um museu prestigioso ou no cubo branco de uma galeria.
O que é certo, é que não podemos reduzi-lo ao seu estatuto de objecto de conhecimento e fazer dele uma coisa inanimada que unicamente dá satisfação ao seu utilizador ou àquele que o estuda. O objecto é sempre, de facto, um participante vivo nos eventos artísticos, é um actor animado e expressivo que desempenha um papel particular nas relações intersubjetivas, activas e entre-afectivas. Nunca será acabado, imóvel e fechado, fica sempre em devir e de forma permanente, aberto.
V: Estamos a fugir da questão.
(pausa)
A: O pior é que tens razão.
V: Como?
A: Consciente do formato do editorial queres fugir dele, sendo isso mesmo um dispositivo, uma construção, um objecto que não nos favorece.
V: Achas que alguém lê os editoriais?
A: Poucos, mas há sempre aquele efeito da caixa de cereal, acabas sempre por lê-la, ainda ensonado, de boca cheia.
V: Agora sim, tu também!
(outra pausa)
A: Hoje de manhã fui comprar pão. Parei na rua e vi um homem idoso que caminhava lentamente com uma caixa debaixo do braço. A caixa continha uma torradeira nova, a estrear.
V:?
A: Olha, um dos artistas que entrevistámos para esta edição, por exemplo (Mike Hentz), talvez resuma bem esta economia gerada à volta do objecto. Ele disse-nos que divide a sua acção em três terços: 1° lidar com o imenso arquivo (catalogação, exposição, alienação de obra, etc.); 2° criar flatware, que ele denomina como uma máquina de imprimir dinheiro (venda de obra plástica e gráfica); 3° originar situações de experimentação em ambientes fechados e com poucas pessoas, onde ainda pode explorar novas formas de criar cultura colectivamente.
V: Não percebi aquela história da torradeira... Mas pronto, no fim qual é realmente a ligação da obra de arte com a noção de objecto?
A: Seja pintura, escultura, arquitectura, fotografia, performance, música ou poesia, a vacuidade é talvez a chave para compreender a sua origem, o seu meio e o seu resultado. O ritmo é o que dá forma a um tal vazio ou a um tal nada. Podemos dizer que a arte em tudo se relaciona com a existência, a presença e com o que elas têm de inapreensível, e portanto menos com o domínio dos objectos usados como ferramentas, como forma de troca e valor. A arte não é apenas mais um objecto na infinita acumulação e rede das coisas. É uma erupção, um brilho, uma fulgurância. Como escreveu um filósofo francês, a obra de arte «não é um objecto. Existe. Existe fora-de-si mesmo, dentro-de-si mesmo e muito mais além».
V: Ok. Vamos, então.
Bruno Humberto & Katherine Sirois – Editores visitantes / Visiting editors of Wrg Wrg #8