O curador e historiador de arte suíço Jeannot Simmen publicou, em 1990, um livro intitulado Vertigo. Schwindel der Modernen Kunst. Focando-se nos estudos de Newton sobre gravidade e óptica, em ilustrações de cosmologia (Fontenelle) e em figuras em queda de artistas como Courbet, Kokoschka e Max Beckmann, o autor associa as noções de tontura, frenesi e perda de estabilidade com grandes alterações perceptuais pré-modernas e a mudança de paradigma para uma arte abstrata, não representacional e imaterial. «Ao deixarmos o solo firme, voamos e pairamos, trememos e caímos».
No ano de 1958, Hitchcock estreia o seu Vertigo no qual a actriz Kim Novak desempenha o papel de uma mulher secretamente contratada para representar o papel de uma outra mulher, a sofisticada e misteriosa Madeleine que por sua vez interpreta Carlotta Valdès, um seu antepassado que se tinha suicidado. O tema dos duplos e da sobreposição de simulacros, a complicada e sombria narrativa, o desejo reprimido e as cargas eróticas envolvidas na relação entre as personagens femininas e o detective Fergusson (James Stewart), o excesso emocional e a angústia, a imagem dentro da imagem, a moldura dentro da moldura e a complexa mise en abîme de tudo isto, evocam uma meditação desconcertante sobre a espiral descendente da vida que joga à beira de um buraco negro fixo, a própria morte, absorvendo tudo. A sequência do museu e o fascínio de Madeleine pelo retrato dos mortos (uma imagem estática e enquadrada dentro das imagens em movimento), o seu cabelo puxado para trás num nó, como analisou Victor Stoichita em O Efeito Pigmalião, e a famosa sequência da escada da torre do sino que leva à morte, são ocorrências visuais proeminentes desta dinâmica vertiginosa petrificada. O motivo obsessivo da espiral foi assim utilizado pelo designer gráfico Saul Bass, tanto na sequência do genérico como nos icónicos cartazes, para traduzir a ideia de um vórtice psicológico negativo induzido pelo desenrolar de ilusões e simulacros, ecoando assim a sensação vertiginosa produzida pela própria experiência cinematográfica.
Se o filme de Hitchcock vem imediatamente à mente ao solicitar ensaios e projectos visuais sobre o tema, a vertigem está mais prosaicamente associada a uma aflição comum, a um distúrbio causado pela deficiência fisio-patológica do órgão do equilíbrio, o aparelho vestibular, que, sabemos desde final do século XIX, está escondido no ouvido interno. Impulsos disfuncionais de gravidade, movimento e orientação espacial, são enviados ao cérebro pelo complexo e delicado órgão, causando vertigem transitória e episódios de desequilíbrio intenso, muitas vezes sentidos como uma sensação de movimento rotacional ou como se o mundo estivesse a girar. Outros sintomas comuns associados à vertigem são perda de audição, movimentos oculares rápidos e irregulares, visão turva, duplicada ou distorcida, palpitações, náuseas, dor e estados alterados de consciência.
O efeito de vertigem como perda de estabilidade, equilíbrio e falha repentina da percepção também pode servir como metáfora para o colapso perturbador de uma visão tradicional do mundo e para qualquer tipo de experiência relacionada com a perda de pontos de referência e de sentido, com dissonância cognitiva, inconsistência interna ou estado de confusão, seja ele intelectual, político, social, estético, psicológico, moral, espiritual ou erótico. A vertigem também está relacionada com a vivência de limites e pontos de ruptura, alturas e profundidades, com a tentação de saltar ou cair no abismo, uma potencialidade induzida pela nossa liberdade essencial, existencial e absoluta. Segundo Kierkegaard, «a ansiedade é a vertigem da liberdade».
Apesar de raramente ser abordado, o tema da vertigem – e o seu salto no vazio, os seus laços com a óptica e a cinética, com experiências de aceleração e movimento desviante, desequilíbrio e inquietação – pode ser um dos emblemas cruciais não só das artes modernas e contemporâneas, mas também do nosso tempo actual, caleidoscópico e confuso, febril e balançante.
Katherine Sirois