Menos e mais; duas condições distintas que em certas circunstâncias podemos considerar opostas, que servem de referência às mais variadas observações e com as quais nos confrontamos nos mais diversos parâmetros da nossa realidade e, consequentemente, naquilo que aqui nos interessa: as práticas artísticas.
Esta dicotomia, que é largamente popularizada pela expressão less is more (menos é mais), parece surgir com o arquitecto Ludwig Mies van der Rohe para enquadrar a sua prática modernista através da qual, fazendo jus à expressão, pretendia reduzir os elementos da sua criação ao mais puro essencial.
A matemática diz-nos que menos com menos resulta em mais e que menos com mais também resulta em mais, promovendo um sentido que positiva a existência e nos poderia fazer crer que o Universo não se desenrola num processo de extinção da luz residual mas sim, seguindo contrariamente, no sentido da claridade absoluta. Podemos também reflectir na questão de menos e mais por via da relação entre pólos — positivo e negativo, evidência da física, onde aprendemos que os opostos actuam em manifesta atracção. Outras conjugações de extremos poderiam servir de referência.
Voltando a Mies van der Rohe, pode dizer-se que se menos é mais, o pólo negativo desta expressão está relacionado, obviamente, com o lado material, e por isso com a forma. Já o pólo positivo estará do lado do conteúdo ou do efeito, criando assim uma polarização do acto criativo. Menos matéria ou menos volume acessório resulta num produto de maior intensidade de ordem estética. Todos sabemos, porventura, identificar onde a desmesura ou a falta dela actuam para a qualidade de uma obra, tanto no seu parâmetro conceptual como na sua dimensão formal. Com isto arrisco referir-me à possibilidade de uma expressão — menos é menos — que serviria à produção de obras de formas excessivamente depuradas, quase invisíveis e que, reportando a – mais é mais –, gerar-se-ia obra de surto demasiado complexo e de escassa inteligibilidade. Mas isto não serve para nada.
Se nos debatermos com a aplicabilidade da expressão, no que diz respeito à vida em sociedade e às dinâmicas da nossa gestão pessoal, a ideia de que menos é mais surge-nos como possível imagem do pragmatismo Zen, da qual podemos tirar imenso partido. Acções comedidas gerariam naturalmente maior assertividade ou por exemplo, no plano verbal, menos loquacidade resultaria em menos equívoco e também em espaço para mais reflexão que, consequentemente, daria origem a mais mensura evitando assim tantas das dificuldades provocadas pela impulsividade. Mas se esta regra pode, eventualmente, sustentar um estilo de vida ou uma conduta profissional, no que diz respeito à arte ela não se aplica, apesar das aparências, com a mesma eficácia — poderá ser precipitado dizer que menos é mais e que mais é de mais. Na verdade, no âmbito da arte, quer da parte do artista quer das consequências da sua obra, a determinação «menos é mais» pode já não ser ajustada, se escolhermos uma posição rígida em relação à mesma. Quero dizer, quando falamos de arte, «menos» pode muito bem ser «mais»: mais claro, mais justo; mas também é verdade que «mais» não quer necessariamente dizer que o resultado é de menor interesse ou menor resultado simbólico ou que a demasia não promove mais do que ilegibilidade. Mas «menos», a maior parte das vezes, mesmo que somado a outro «menos» não consegue deixar de ser apenas um tímido «menos», a não ser que estejamos a falar sobre minimalismo ou, por exemplo, de caligrafia japonesa.
É fácil perceber que faz parte de qualquer processo artístico recolher, acumular, confrontar informação e, pelas mais diversas vias, compor com os mais diversos materiais, das mais diversas fontes e que a consequência natural deste movimento seria limpar para dar visibilidade ao que melhor potencia as premissas em causa, mas assim estaríamos a excluir todos as lógicas artísticas que têm na acumulação a sua finalidade.
A música barroca dá-nos um bom exemplo, pelo «excesso» na sua linguagem, pela forma como ocupa todos os espaços vazios floreando as sustentações tonais da linha principal e, por via do cânone, introduzindo a linha melódica que é replicada no compasso seguinte e no outro, em continuidade, engrenados na edificação da partitura. O centro do cânone como o centro de um furacão harmónico — mas este é um furacão onde não existe caos nenhum, está tudo no seu lugar. Este «excesso» também o podemos encontrar na música contemporânea, por via da repetição e pela saturação de blocos multiplicados, mesmo quando sabemos que isto é característico, também, do minimalismo. Se analisarmos o fenómeno, este apresenta-se sintético na sua base modular mas intrincado no padrão resultante da repetição e nas variações internas desses mesmos módulos. Em qualquer dos exemplos, menos com menos é sempre menos.
Mas não desejo fazer a apologia do «mais» como elo mais fraco, o que é em si uma estranha contradição, defender o «mais» em relação ao «menos» e, nos dias que correm, de absoluto consumismo que vem já desvelando o atol onde podemos ver espelhado o nosso fim abrupto. Onde a qualidade de ser «menos» é a diferença entre o consciente e o inconsciente e pode ser a diferença entre a vida e a morte. Quero apenas defender o «mais» em relação a um «menos» advento de um estado de espírito generalizado onde parece promover-se uma certa superficialidade, onde tudo se torna bidimensional, à medida dos ecrãs que nos curvam a postura vertical há muito conquistada aos símios; ainda que esta auto-menorização possa ser, eventualmente, uma possível fuga inconsciente para sobreviver ao exagero informático que nos domina. Mais informação, menos conteúdo; mais rapidez, menos absorção; mais enfeite, menos efeito. Se «menos é mais», «mais também é bastante menos».
A arte deveria posicionar-se acima deste conflito e ser um objecto que se impregna para além da pressuposta permeabilidade, que se impõe por via desse excesso necessário sobre uma estrutura linear, por via de um gesto único sobre um suporte por de mais saturado. Uma arte dos espaços vazios, mas também uma arte dos espaços barricados onde o panfleto não tem como objectivo chegar ao centro da cidade. Ser mais com menos para poder ser mais também com mais e para mais. Assim, prefiro imaginar este binómio do «menos» e do «mais» como um círculo em rotação que contém ambos e cuja velocidade e interacção não permite destrinçar entre os dois. Uma esfera de potencialidades onde a micro-escala fomenta um e a macro-escala o outro e vice-versa, onde a legibilidade de ambos depende do contraste entre os mesmos, girando incessantemente numa direcção e depois na direcção oposta, desencadeando formas e de forma constante, eterna, num mecanismo qualitativamente efervescente e onde a polaridade não impõe qualquer sentido sobre um bem ou um mal.
JOÃO FERRO MARTINS - Editor visitante da Wrg Wrg #16 / Visiting editor of Wrg Wrg #16