Segundo Marcel Duchamp, para criarmos precisamos de esquecer aquilo que aprendemos. É só transcendendo o que nos ensinaram, desde muito cedo, que podemos entrar num processo criativo autêntico. As minhas peças a solo com o título Reflections on an Introspective Path são uma tentativa para chegar a esta transformação e para reflectir activamente sobre ela. Os instrumentos de cordas ocidentais têm uma tradição especialmente pesada, enclausurada e bem estabelecida, tal como uma expressão de vanguarda igualmente bem estabelecida, da qual é muito difícil libertarmo-nos como intérpretes, sobretudo se tivermos um curriculum académico.
Depois de ter estudado e interpretado diferentes géneros musicais que vão desde a música clássica ao pop, da contemporânea ao rock, passando pela improvisação, pela música experimental e pela electro-acústica, dei-me conta que já era tempo de encontrar o meu próprio caminho por entre todos estes estilos. O primeiro passo que dei consistiu em «esquecer» o conhecimento que me chegou de fora e em me livrar dos hábitos que eu tinha adquirido e posto em prática ao longo de duas décadas.
A principal influência que me orientou para a este caminho foi provavelmente a música acusmática, um movimento iniciado pelo compositor francês Pierre Schaeffer (1910-1995) no final dos anos 40. O termo acusmático foi tomado ao filósofo e matemático grego Pitágoras. Este último ensinava os seus estudantes escondido por trás de uma cortina de modo a que não o pudessem ver nem a ele nem aos seus movimentos, permitindo assim que os alunos se concentrassem na sua voz sem serem perturbados pela vista. De facto, conscientemente ou não, tendemos a ver imagens ao ouvirmos ruídos ou ao escutarmos sons. Pierre Schaeffer deu a esta ideia uma forma musical e criou música e sons, desprovidos de referências visuais, através do uso das novas tecnologias do seu tempo. Também inventou o sistema de difusão de colunas múltiplas, ou orquestra de colunas a que chamou acousmonium. Actualmente, este campo musical ou movimento ainda está activo. Os compositores usam diferentes máquinas e computadores de modo a transformar e modificar o som e a espalhar as suas composições pelo acousmonium.
A minha aproximação é ligeiramente diferente, já que eu não uso qualquer máquina ou efeito electrónico para modificar o som que produzo. Começo pelo ponto acústico e desenvolvo as minhas próprias técnicas extensas para obter sons «novos» e pouco usuais com o meu instrumento. No entanto, mantenho em mente a ideia de perder toda a referência visual – neste caso do próprio instrumento. Depois de ter descoberto todos os sons imprevisíveis, complexos e surpreendentes, aparecem novas questões respeitantes à forma e ao sentido deste processo. Qual foi na verdade o intuito em encontrar estes sons e tons não familiares e em criar um espaço musical não complacente?
The Afternoon Interviews de Marcel Duchamp (1964) e a colecção de escritos de Iannis Xenakis, Kéleütha (1955-1988), tornaram óbvio que este «material sonoro» devia ser reunido e devia ser-lhe dado uma forma concreta ao mesmo tempo que uma orientação precisa. Nesta perspectiva, a seguinte gravação, as suas faixas e títulos, a suite Confluences (em 3 movimentos), Equilibrium, Wick Machine, Thwart Path e Attained, referem-se à ideia de movimento. Para finalizar este «objecto», que de uma certa forma questiona o limite entre a materialidade e a imaterialidade do som e da música, pedi à artista Morgan O’Hara que desenhasse a capa do disco. Pensei que o seu trabalho seria adequado a esta aproximação e o seu desenho evoca o movimento das minhas mãos enquanto tocava no seu estúdio em Nova Iorque. Reflecte também de forma oblíqua, o tempo e as formas da minha música. Ela deu-lhe o nome de Live Transmission.
Frantz Loriot - Confluences - Movement 1
Frantz Loriot - Confluences - Movement 2
Frantz Loriot - Confluences - Movement 3
Frantz Loriot - Equilibrium
Frantz Loriot - Wick Machine
Frantz Loriot - Thwart Path
Frantz Loriot - Attained