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Técnica de reprodução – duplicação/replicação – de uma imagem gravada, desenhada ou pintada... é assim que poderíamos designar a invenção que Nicéphore Niépce (1765-1833) está a desenvolver no início século XIX... O quê? a imagem (objecto) gravada (manualmente), e a sua reprodução (físico-química): imagem de imagem, objecto de objecto. Niépce procura (e encontra) um meio de reprodução das gravuras (e imagens em geral) com o objectivo de aperfeiçoar, de competir, com a litografia… tendo como plano de fundo, ideia subjacente, uma vontade de aplicação industrial.
A imagem (a fortiori fotográfica), não tenhamos dúvidas, é objecto (sem dúvida complexo).
Mas... bem depressa a gravura a reproduzir é substituída por «um ponto de vista» (imagem armazenada na Universidade de Austin, Texas)... «a mesa posta» (imagem «perdida» cerca de 1900) e assim, desde o seu nascimento revelado, a fotografia já não se limita apenas à reprodução, mas à produção de novas imagens, de novos objectos que representam... objectos seleccionados, encontrados. O objecto encontrado é necessariamente escolhido, senão não existe: é apenas um objecto, indiferente, no limbo.
Uma das origens, prática minimal, da fotografia é a impressão do objecto numa superfície sensível: o fotograma. Anna Atkins (1799-1871), botânica, observa cuidadosamente a impressão dos seus objectos de estudo. Estas plantas estudadas, principalmente algas, são recolhidas, seleccionadas e em seguida, imortalizadas pelas suas impressões: Cystoseira fibrosa, 1843. Sombras específicas (o cianótipo reage essencialmente à luz ultravioleta) de objetos, perdurando para além do desaparecimento da coisa em si, estes fotogramas encontram um eco mórbido nas «sombras» projectadas dos objectos (coisas e pessoas) nas paredes de Hiroxima e Nagasaki em 6 e 9 de Agosto de 1945.
Na mesma época, Wiliam Henry Fox Talbot (1800-1877) demonstra todo o virtuosismo das novas imagens. Seguramente, desde a sua invenção, a fotografia é adornada com todos os seus atributos (com capacete e armadura qual Athena saindo da cabeça de Zeus) e tem potencialmente a capacidade de reproduzir qualquer objecto. No seu livro Pencil of Nature, Talbot trabalha para elaborar uma espécie de inventário – não exaustivo – das possibilidades da fotografia. É, assim, natural que nas primeiras pranchas se encontre cerâmica e vidro, materiais reputados (correctamente) como difíceis de representar – evoca-se os pintores virtuosos como Sebastian Stoskopff (1597-1657) –, que oferece um excelente paralelo com a sua Nature morte au panier rempli d'objets en verre.
A prancha IV de Pencil of Nature originalmente intitulada Articles of Glass with a Dark Background publicita e documenta as capacidades de reprodução da fotografia... mas é, antes de mais, uma das primeiras vaidades fotográficas, uma obra em si. Não se pode deixar de pensar que, quando Talbot intitula a sua obra Pencil of Nature (O Lápis da Natureza) faz uma espécie de trocadilho: Natureza é, em inglês (e em francês), a Physis grega (todo o mundo visível) e o lápis tem origem na Physics (Física), a fotografia apresenta-se ainda como a melhor ferramenta para ver e estudar a natureza.
A fotografia está, sempre e absolutamente, entre documento e trabalho de arte... ambivalente. O ponto de vista determina o sentido, a interpretação. Às vezes, o fabricante, o artesão, aquele que construiu a imagem, que fabrica a fotografia, declara que não faz obras à Karl Blossfeldt (1865-1932) – tal como Eugène Atget (1857-1927), seu contemporâneo –, são dois bons exemplos. Assim, o professor Karl Blossfeldt, produzindo os seus documentos para estudos gráficos, cópias e modelos, inevitavelmente criou obras em si mesmas. O objecto (ainda as plantas), encontrado e seleccionado, é recriado através da sua imagem fotográfica: Bryona alba,Ranken, sem data. Blossfeldt é um dos elos na longa lista de poetização de objetos fotográficos. E embora ele diga que APENAS faz documentos («A minha documentação sobre os vegetais destina-se a contribuir para restabelecer o contacto com a natureza...» – Wundergarten neue Folge von der Natur der Kunst Urformen, 1932 –, é óbvio que é inútil acreditar nele. O espectador faz o trabalho... ou o documento.
Walker Evans (1903-1975) é um marco importante na história da fotografia – mais especificamente do que Marcel Duchamp (1887-1968), questão que, infelizmente, não será abordada aqui –, e precisamente quando fotografa objectos. Elementos de uma poética da vida quotidiana, as fotografias de objectos pontuam a sua exploração da América desamparada, são os últimos sinais da presença, da actividade humana, tal como os utensílios de cozinha na parede: Kitchen Wall in Bud Field's Home, Hale County, Alabama 1936.
Ele faz a apologia, na América renascida e vitoriosa do pós-guerra, dos seus objectos e utensílios do quotidiano na revista Fortune em Abril de 1955: Baby Terrier Crate Opener, by Bridgeport Hardware Mfg. Corp., 69 cents (pag. 104):
«(…) Aside from their functions – though they are exclusively wedded to function – each of these tools lures the eye to follow its curves and angles, and invites the hand to test its balance. (…) In fact, almost all the basic small tools stand, aesthetically speaking, for elegance, candor, and purity.»
E até ao fim, nas imagens finais, nas Polaroids dos anos 1970 (Untitled, 1974), vemos a sua preocupação pelo objecto. Não somente lhe interessa o próprio objecto, mas está plenamente consciente de fazer outros, documentos e obras. Sinais, letras e números, são coisificados, tornam-se imagens abstractas, esculturas planas.
Partindo do signo-objecto de Evans, o objecto, seguindo a obra de Olli Bery (1973-), produz um signo. Uma imagem (um objecto) é recorrente, aquela imagem de um revólver... o objecto como uma assinatura. Esta arma é a reivindicação do tiro, o tiro fotográfico, que tem como eco a violência da imagem. A assinatura aqui, pontuação, pede calma (após o disparo – «a tomada de realidade faz um ruído impossível» – Denis Roche (1937-2015), «Photographier» (1978) in La disparition des luciolles, 1982.)... o cano da arma aponta para baixo... não ameaça (mais) como o faz aquele revólver fotografado na mão de uma criança por William Klein (1928-). Este é apenas um índice, a lembrança da possibilidade de violência, da câmara para a arma – a vida e a morte. O que é mais fiel do que um revólver? The Faithful Colt, 1890, pintura de William Michael Harnetts (1848-1892).
É comum encontrar na obra de Yannick Vigouroux (1970-) objectos/coisas fotografadas... estas coisas normalmente vistas como inanimadas, aqui vibram! ... vivem! Longe de reivindicar a fotografia espírita, Yannick Vigouroux, no entanto, sente empatia com esses objectos... a alma desses objetos – ao acaso dos encontros – é registado pelo fotógrafo. É verdade que, até mesmo objectos industriais, os da glória do grande capital, receberam apenas uma pequena parte do Espírito Criador... nisto eles são animados. Eles vivem, é o tributo que Yannick presta a esses objectos, mesmo os mais humildes.
Finalmente, porque é preciso contermo-nos, tantos objectos ao nosso redor, tantos fotógrafos de todo o mundo, finalmente o objecto retorna como traço... náufrago, termina (?) a sua vida à beira-mar. Didier Tatard (1966-), moderno rhyparographe, como Anna Atkins, recolhe e meticulosamente seleciona. Representação dos restos, sinais da actividade humana... sinal da saturação da sociedade de consumo... indícios de poluição. Objectos abandonados, readymade reactivados, estas fotografias parecem conter a tristeza do abandono.
Este último em particular – mostrando uma bola azul – de um azul ainda azul – no meio de seixos... poderia ser o nosso planeta azul cada vez mais artificializado, coisificado, perdido, soterrado sob montes de objectos da produção em massa... inúteis, bens inúteis.
«(...) as imagens são como objectos que se podem examinar. Estes objetos são susceptíveis de produzir discurso e serem sustentados por conhecimento. Mesmo se o seu estatuto de objeto é fundamentalmente problemático, as imagens aparecem como uma realidade sensível oferecida simultaneamente ao olhar e ao conhecimento.» – Marie-José Mondzain, L’Image peut-elle tuer?, Bayard, 2002.