69 À margem dos princípios – uma fronteira provável se desenha.
1969: O ser humano extrapola as fronteiras espaciais e caminha pela primeira vez sobre a lua. Os anos 60 são marcados pelas vastas liberdades: sexuais, de género, de expressão, de circulação entre outras. Nada tem limite!
Inovação tecnológica, médica, nuclear, espacial, social, tudo em pról de uma evolução, libertação e emancipação do ser humano sem fronteiras.
Contudo, 69 também é o começo do fim. A primeira vítima mortal do novo vírus HiV, Robert Rayford é levado por um terrível vírus. Infectado no Haiti e levado consigo para os Estados Unidos. É o início de uma epidemia que vai dizimar inúmeros homens e mulheres e o marco do fim da liberdade sexual.
2019: 50 anos depois, o relatórios é frágil e desolador. Mesmo que imersos pela tecnologia, ainda não há cura contra o vírus HiV. Após décadas de lutas sociais e políticas pelas diversas liberdades e igualdades, os fechamentos crescem, os muros erguem-se e as crises sociais, demográficas, migratórias e ecológicas ganham território. Estaremos próximos de uma nova revolução? De uma outra Grande Guerra? Estaremos amaldiçoados pela maldição de Dédalo?
«A um desafio colossal só a coragem da generosidade será capaz de fazer frente. Não há outra opção que não seja deixar a porta aberta às migrações, aos refugiados, à diversidade. Recordo que, se fecharmos os muros à nossa volta, ficamos presos do lado de dentro.» (Pedro Góis, in A maldição de Dédalo ou uma ideia de Europa que chega ao fim.)
Jérémy Pajeanc
Entre Fronteira e futuro (separando Frontier e Border)
Algures, num passado recente, definimos que frontier era o que tínhamos de saber mais avançado num qualquer campo científico. Um equivalente conceptual das vanguardas com que em tempos desafiámos as certezas coletivas. Quando o senso comum é posto em causa com um projeto novo e inovador estamos na Frontier. Amén. Insha'Allah.
Frontier é, no jargão da ciência, antecipar futuro. A fronteira porém, enquanto border, é toda uma outra realidade não de avanço, mas de imobilidade, de movimento imóvel. A fronteira enquanto border é um poder discriminatório de instruir a exclusão. Georg Simmel (1999 [1908]), uma vanguarda com 100 anos, afirma que a fronteira «não é um facto espacial com consequências sociológicas, mas um facto sociológico espacialmente formado» (p. 697). A fronteira é, deste modo, entendida não apenas como uma linha que separa os territórios, mas, também, como produtora em si mesma de processos de diferenciação entre os indivíduos. Je suis Border.
Ainda segundo Simmel, «não são os países (...) que se limitam uns aos outros; mas os habitantes ou os proprietários que desenvolvem o efeito [da mútua limitação]» (1999 [1908]: 697). A fronteira é, neste sentido, uma invenção social com consequências reais. Separa e une, une e separa, separa mais do que une. Em cada fronteira uma linha de exclusão, em cada rosto na fronteira a personificação da desigualdade social. Tornar a fronteira a frontier não é fácil e é, em si mesmo, uma vanguarda que poucos alcançam. A liberdade de circulação de ideias é a fronteira última para que cada um/uma de nós se torne a última fronteira. Começa aqui. Oxalá.
Pedro Góis