A democracia é uma ideia transformada em bem ou serviço,
Comprada com as poupanças, comprada por quase nada.
Comprada a acreditar que era uma transacção sem juros
Fidedigna, irreversível e de garantia ilimitada.
Afinal era um empréstimo, a crédito, ao capitalismo,
Temporário, inflacionável e com juros até ao abismo.
O capital gerava lucro acumulado e reinvestido,
Enquanto as massas confiantes na segurança social:
Contribuíam, tributavam, contribuíam, tributavam,
E tinham direitos humanos mas duma forma maquinal.
O sistema democrático era o mais justo e coerente.
Criou-se todo um circo jurídico com essa bandeira içada
E nós, seguíamos confiantes face à solução encontrada,
Sem sonhar que a democracia fosse mais tarde hipotecada.
A casa grande foi montada com diversas prateleiras
Dos direitos, economias, letras, artes e asneiras
Humanidades, sociologias, ciências, educação
E em todas garantem que existe liberdade de expressão.
Negros no campo, gritam há tempos, que não há democracia
Não são tidos como humanos mas recursos e mercadoria
Então na casa acharam por bem fazer mais umas prateleiras:
biologias, recursos humanos e antropologias na dianteira
Mas vender democracia era um grande investimento
Vender-nos a ilusão de auto-controle a todo momento
E ao mesmo tempo abolir a ideia da emancipação
Então bancos, fronteiras e igrejas serviram como salvação
Porque a casa da repressão era ao pé da casa do fascismo
E ambas serviam a grande mansão já montada do capitalismo
Hipotecar a democracia foi só pintar com quatro de mão,
Mudar portas, fechaduras e encafuar gavetas no sótão.
A empreitada da fachada foi a mais difícil de pintar
Até vieram republicanos e democráticos para ajudar!
Mas como as belas fatiotas davam sempre nas vistas
Foram entre esquerda e direita para entreter-nos com listas.
Enquanto isso as casas cresciam tão democraticamente
Que poucos sentiram o cheiro a podre no ambiente
Cheirava a genocídio judaico, indígena, negro e cigano
Mas lá na casa dançavam com fado, flamenco e tango
A democracia… uma ideia transformada em bem ou serviço,
Comprada com as poupanças, comprada por quase nada.
Comprada a acreditar que era uma transacção sem juros
Fidedigna, irreversível e com garantia ilimitada.
Afinal era um empréstimo, a crédito, ao capitalismo,
Temporário, inflacionável e com juros até ao abismo.
E toda a gente já sabia que a Ganância e a Ostentação
Eram só as irmãs mais novas da Dona Colonização
Ainda assim continuavam a comprar democracia
Por ingenuidade, inocência, ignorância ou teimosia.
E se alguém ousasse falar sobre aquecimento global
«Mas ora essa, que tolice, isso faz parte, é natural»
Cheira a dióxido de carbono, gases e efeitos de estufa
Queimadas de combustíveis fósseis e da floresta tropical
Anos de vozes caladas: anos de democracia
Anos de vidas ceifadas: anos de democracia
Anos de mulheres estupradas, refugiadas, escravizadas:
anos de democracia
Anos de espionagem sobre os rebeldes da libertação
Cheirava a guerrilhas, a denúncias e teorias da revolução
E quando a clandestinidade deu buraco orçamental
Então um génio megalómano inventou a rede social
Porque num mundo democrático vamos poder partilhar
A nossa vida realizada, ou sobre o que estamos a sonhar
Ideologias, partidos políticos, bem como o destino de férias
Artes, carros, estilos de vida e tudo o que queremos comprar
Nada como sermos nós próprios a oferecer de bandeja
O que as massas reflectem e o que o povo almeja
Cereja no topo do bolo sem grande consternação:
As redes agora ditam o que é verdade, história ou ficção
A democracia… uma ideia transformada em vírus,
Comprada com as poupanças, comprada por quase nada
Comprada a acreditar que era uma transacção genial
Mas os juros?… eram a terceira guerra mundial.