Este número da Wrong Wrong faz-se sob a égide do falso. Adjectivo substantivado, substantivação abstracta, o falso é antónimo de outras derivações impróprias: o verdadeiro, o real, o factual, o sincero, o natural, o genuíno, o correcto, o legítimo. A noção de falso, que portanto incorpora a mentira, a ilusão, o infundado, a dissimulação, o artifício, a contrafacção, o erro e o ilícito, é o negativo do conjunto de prescrições morais que contraria – e por isso condição necessária para que este se defina e possa expandir.
Determinar o falso que nos rodeia e constitui é uma velha preocupação, e uma das mais problemáticas ambições humanas: porque a verdade procurada tende a tornar-se menos importante que a certeza, e porque a certeza seduz mais do que a razão. O falso é a obsessão da certeza, o seu receio, a sua possível realidade. O mundo de que ambos participam, que é facto e ficção, que é concreto e potência, necessita outro prisma, outra leitura.
O falso é também a ideia que fazemos dele. E aquilo que com ele nos propomos fazer. Ele é o que não é mas podia ser, ele integra a imaginação, fruto da dúvida e antídoto, ou pelo menos calmante, para o excesso de verdade – perdão, de certeza – nas nossas vidas.
Assim é o falso. Ainda que as aparências possam iludir.
Marcelo Felix