Que não se enquadra. Que é inadequado para um trabalho ou um papel específico, incapaz de se ajustar a certas circunstâncias, de se adaptar à sociedade ou a um sistema global. O termo também se refere a algo que cai mal, como uma peça de roupa ou um fato que é demasiado grande ou pequeno.
O inadaptado, ou desajustado (misfit), não cabe em nenhuma categoria. Mesmo a figura do marginal cabe na categoria do marginal. Num sistema onde «tudo o que fazemos para questionar instituições, convenções, tabus é imediatamente reintegrado num conceito de arte em permanente expansão que o ingere, digere e domestica» (Werner Hofmann, Art in Cage, 1970), o marginal frequentemente gosta de jogar e tirar partido do seu estatuto. Pelo contrário, o desajustado é indecifrável e não corresponde a quaisquer expectativas ou padrões definidos. Ele não se encaixa na figura, na imagem, no quadro, na paisagem social, nas exigências externas ou no gosto do público.
Há uma profunda e genuína originalidade, singularidade e autonomia no inadaptado, cujo carácter é não reivindicado como tal. Ele revela uma força especial que pode ser simultaneamente uma fraqueza e uma fonte de espanto e solidão, de desassossego, conflito ou perigo. É o burocrata que escreve prosa e poesia de forma abundante e desenfreada nas costas de um envelope. É o pintor da corte que transborda de paixão, raiva e loucura e que esconde o seu sarcasmo nos retratos comissariados pela realeza. É o marinheiro apátrida e sem documentos, repetidamente preso e deportado de um país para o seguinte. É a mulher de espírito-livre, selvagem e culta, que é confinada numa sufocante sociedade patriarcal e burguesa. É o libertário que, contra todas as expectativas, arrisca a vida para pôr alguma areia nas engrenagens da ditadura autoritária do seu tempo. É alguém que sofre com as convenções sociais e falsidades. É qualquer pessoa que voluntária ou involuntariamente mantém tendências ou narrativas mainstream à distância e que ousa quebrar as barreiras do pensamento único e do estilo de vida encarreirado.
Numa entrevista dada em 1956 no seu museu em Filadélfia, Marcel Duchamp explica como se afastou voluntariamente do seu estatuto de artista profissional, para assumir o papel de um bibliotecário e de um artista amador. Esta distância relativa ao mundo da arte proporcionou a Duchamp a liberdade de ser um outsider. Desta forma, libertou-se das pressões do mercado e do gosto dominante do seu tempo.
Esta edição da Wrong Wrong convida contribuições que têm como objectivo explorar ideias relacionadas com o tema da inadequação e do desajuste. Enquanto observamos como as declarações e liberdades explosivas, anarquistas, politicamente incorretas estão a desaparecer e em linha com os textos publicados em 1957 pelo artista americano Ben Shahn sobre o inconformismo como condição prévia e básica da arte, do desenvolvimento e da grandeza nas pessoas, este número aparece como uma ode à alteridade, às diferenças e à libertação das normas e dos padrões convencionais.
Katherine Sirois