A fenda é a linha que se desenha, o lugar do vazio, do abismo, da queda, o não-lugar; a ruptura, a abertura, a brecha, a falha, a fissura, a ferida, o ponto de fuga, a intermitência, a descontinuidade, a dessincronia.
A fenda é o lugar por onde as águas se escoam, onde se escondem; de onde brotam, aos borbotões, línguas de fogo e de carne, discursos incontinentes, eflúvios de mundos paralelos.
A fenda gerada de um acto revolucionário, o interstício da fruição, a interrupção da normalidade, a quebra de sentido, a fissura no discurso e no pensamento, no texto, na leitura, para zonas que escapam ao controlo, à sua lógica inicial, a «paradoxa» contra a «doxa».
A margem que se afasta, que se funde, que transborda, que inunda. As margens, a fenda, são imprevisíveis; intangíveis e irregulares, variáveis, móveis, polimorfas, prontas a tomar quaisquer contornos.
Mário Martins