Num cenário global de excesso, instabilidade, acumulação, (ir)radiação e perturbações sem precedente, as noções de interligação e de coexistência, a urgência da activação da consciência e sensibilidade, os desafios de sustentabilidade e resistência são temas recorrentes que atravessam a arte contemporânea, cruzando o activismo ambiental, a política e a pedagogia.
A concepção filosófica e espiritual da Natureza na íntegra, envolvendo os seres Humanos como uma das suas partes, entre as outras formas de vida – segundo a formulação de Alexander von Humboldt, ao descrever a Terra como uma teia inextricável e vulnerável–, tende a tratar os componentes e as práticas violentas que emergem da ideologia ocidental clássica de dicotomia e separação, de dominação e de subordinação.
As preocupações ecológicas que tomaram forma desde os anos sessenta até aos dias de hoje – na sequência daquilo que é designado como a «grande aceleração» da era do Antropoceno – exprimem-se em vários movimentos intelectuais, sociais e artísticos de cariz performativo. A maioria deles acredita no poder de transformação benévola de retomar contacto com a terra, de renovar uma relação física com o ambiente natural manifesto da nossa existência, os vastos espaços exteriores. E em passar à acção, alterando a percepção e os modos tradicionais de pensar pelo restabelecimento de uma interacção íntima com a paisagem, com os seus ciclos, com os seus ritmos, com as suas modulações de luz enquanto lugares para a introspecção e o conhecimento de si próprio, para o resgate de índices históricos e da memória há muito perdida, tanto enquanto limiar meteorológico potencial das subjectividades e das inscrições como enquanto enquadramento(s).
Para lá dos sentimentos de raiva, de amargura, de melancolia, de desespero e de impotência que decorrem da informação, das descobertas e das predições cada vez mais dramáticas, há várias tentativas estéticas e artísticas de recriar uma certa sacralidade e uma atmosfera de reverência, de cultivar tanto um sentido de maravilhamento como a capacidade de se ligar com o conjunto da força viva através da imaginação, da emoção e da empatia. Este estado de espírito peculiar, intencionalmente provocado nos seus trabalhos monumentais por artistas agitadores como Robert Smithson e Michael Heizer («The Earth Projects», «Spiral Jetty», «Double Negative», «Circular Surface», «Munich Depression»...), só pode ser experienciado numa relação de troca mútua com a terra, e não por intermédio de uma exploração destruidora e insensata movida pelo lucro. «Será que estes lugares dilacerados pela exploração mineira ou envenenados por químicos agora se parecem menos com os inconvenientes entrópicos de uma indústria voraz e de vistas curtas e mais com possibilidades estéticas há muito esperadas?».
Apelando à reflexão e à acção concreta, este número da Wrong Wrong apresentará propostas que consideram a implicação do uso e gasto da terra e os modos de ocupação/mediação da arte que contribuem para «voltar a mapear-nos no mundo».
Susana Mouzinho & Katherine Sirois