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«La beauté convulsive sera érotique-voilée,
explosante-fixe, magique-circonstancielle, ou ne sera pas».
André Breton, L’Amour fou, 1937
A noção grega de prôsopon refere-se tanto à máscara e ao rosto artificial de objectos inanimados, quanto ao rosto do homem vivo ou ao dos antepassados dados por meio da imagem. Prôsopon refere-se igualmente ao acto de ver, de olhar e de se dar a ver, de se apresentar à vista de outrem. É aquilo que «encara» e pelo qual é possível «pôr em presença», uma confrontação e uma dinâmica relacional entre duas figuras, dois objectos, dois sujeitos ou entre um objecto e um sujeito.
Além disso, a prosôpopoeia ou a prosopopeia faz referência à acção de personificar, de animar figuras artificiais através da encarnação de personagens ausentes ou de entidades sobrenaturais tais como as divindades, as potências da natureza ou os antepassados. No teatro, a máscara imóvel e rígida é gradualmente animada, tanto pelos movimentos corporais realizados pelo actor como pelas descrições orais de emoções e de sentimentos vivenciados pelos personagens durante a narração. Movimentos dos actores e conteúdo narrativo conjugam-se, dando assim origem à visualização, junto do público, de expressões faciais cujo efeito é o de transformar, durante a representação, o aspecto visual das máscaras. Assim animada e investida de expressividade e de vida, a máscara torna-se diegética, é a máscara do muthos.
A personificação das máscaras que ocorre no contexto teatral, o fenómeno de transformação que tem lugar – a sua mutação em pulsações, em movimento e em expressividade a partir da dureza e da rigidez iniciais – são igualmente fenómenos característicos das máscaras oriundas de cerimónias rituais e iniciáticas das sociedades tradicionais. Fenómenos que os etnólogos, antropólogos e historiadores de arte puderam observar e cujo simbolismo complexo e versátil tentaram entender ao longo do século XX. Estes fenómenos, específicos às máscaras e aos objectos que foram consagrados ritualisticamente (o que equivale a uma operação de transmissão de uma força de vida invisível, de investimento de uma potência, o que equivale também ao processo de encarnação e / ou de metamorfose) são realizados, em particular, pela encenação dos mitos fundadores, pelas fases cinéticas das danças executadas pelos portadores de máscaras e, neste caso, como no do teatro, pela participação e pelo investimento imaginal dos espectadores.
Desta feita, quer tenham ou não sido feitos para ser usados, quer sejam máscaras teatrais gregas, romanas ou japonesas, máscaras de cerimónias religiosas chinesas ou da Oceânia, objectos protagonistas no desenrolar de ritos de culto ou de celebrações dedicadas aos deuses ou aos antepassados, estes objectos, para além da potencialidade que têm de animar e de pôr em movimento, caracterizam-se também pela sua ambivalência e complexidade significante e activa. Esta complexidade manifesta-se nas suas funções de transformação e de encarnação, que consistem em metamorfosear os portadores e os celebrantes ou em tornar visíveis e presentes, para as comunidades humanas, entidades invisíveis, e em fazer aparecer e perpetuar personagens e eventos míticos. Assim, o poder operativo de transformação funciona nos dois sentidos. Este fenómeno bidireccional de entre afecção é assimilado ao que podemos designar como uma impregnação recíproca.
Com estes objectos cerimoniais, estamos certamente a lidar com aquilo a que Rudolf Otto chama o «totalmente Outro», o ganz anderes, ou com «a aparição da distância, qualquer que seja a proximidade da coisa que a suscita», segundo a definição da aura tal como Benjamin a pensa[1]. A experiência da estranheza radical arranca o sujeito à vida quotidiana e ao nível da consciência comum. Possui-o pelo despertar da distância do seu olhar no objecto olhado[2]. O «totalmente Outro» é aquilo que excede e que, por consequência, não se deixa apreender, limitar ou encerrar por categorias e definições conceituais. Estes objectos, por estarem ligados a uma ordem de realidade superior – daí a intratabilidade do mistério que muitas vezes os caracteriza – servem então, provavelmente, no seu contexto original, para dar lugar a uma experiência radical do sagrado[3].
Antecipando as considerações de Claude Lévi-Strauss, publicadas no ano de 1979, em A via das máscaras, I.L. Schneider escrevia em 1951, em Les masques primitifs: «Estas máscaras, nos dias de hoje, suspensas lado a lado nos museus, mortas, não deixam suspeitar a potência que manifestam em acção». Nesta mesma obra, Schneider tinha-se proposto renunciar à fotografia convencional para se «aproximar do mistério dos traços fixos e lhes devolver a fase de actividade mais intensa e mais impressionante»[4]. Por meio de capturas em diagonal, pelo uso da desfocagem ou do grande plano, pela instauração de uma certa instabilidade, pelo deslocamento da objectiva, tinha assim desejado acentuar a força expressiva das máscaras, reforçando o seu impacto no leitor observador. Tinha por intuito imprimir aos objectos – duplamente fixos e circunscritos – movimento e vida como retratos vivos capturados em acção e dar assim uma impressão de máscaras que se deslocam, como que precipitando-se sobre o fotógrafo[5].
Nesta série, levei mais longe as ideias de Schneider e a partir das fotografias que ele publicou em Masques Primitifs, acentuei ainda mais os efeitos do movimento e da desfocagem, introduzindo brilho, surgimento, transbordamento, destabilização, desdobramento e explosão. Vêem-se assim máscaras em voo, máscaras dançando no espaço, máscaras impressionantes pela expressividade, fazendo explodir a grande velocidade o dispositivo onde permaneciam, apesar de Schneider, fixas e limitadas.
No entanto, apesar do palimpsesto de objectos encontrados e de imagens descobertas que podem desta forma ser sobrepostas e apesar da sua magia circunstancial e operativa, o paradoxo mantém-se intacto. Ainda que «explodindo», a dinâmica da imagem fotográfica do objecto, em movimento ou não, talvez nunca seja mais que uma imagem espectral e fantasmática, como as máscaras, uma vez retiradas do seu contexto, esvaziadas do seu poder real e sagrado de acção e de transformação.
Entre a fixação e a animação, o mistério mantém-se.
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Fotografias tiradas em Paris em 2008.
Tradução do inglês por N. Miguel Proença.
Footnotes