Homem morto passou aqui é o mais recente trabalho de radiografia do território nacional de Valter Vinagre. Um território tanto simbólico como real. Mas se é essencialmente de ruínas, de vestígios de que se faz a sua fotografia – algo confundível, é certo, com os normais lugares-comuns associados à prática – no caso singular deste autor tal evidência é uma marca distintiva, ou mais explicitamente, a distinção da sua marca.
Neste projecto em concreto, maturado durante alguns anos e iniciado há três, a relação entre o desaparecido e o permanecente é sublinhada pela natureza específica do objecto fotografado: os vários eventos das Guerras Peninsulares ocorridos de Norte a Sul do país, episódios históricos que surgem referenciados pelos locais escolhidos e títulos das obras que compõem a série. Uma opção que dá bem conta do desafio a que se propôs: retrato da memória colectiva – ou o que resta dela – diluída numa paisagem geográfica e humana transmutada, convocando (meta-)fisicamente o passado.
Os eventos são concebidos a partir da sua «ausência» na paisagem, numa interacção metafísica entre o passado e o presente, com o seu retrato a ter lugar na data e hora semelhante àquela que há dois séculos marcou um confronto violento e traumático. Esta particularidade em retratar aquilo que falta nos locais, símbolos iconográficos da memória colectiva, desafia a própria relevância técnica da prática fotográfica, focando-se numa espécie de «aura» que remete o observador para os acontecimentos passados, compondo assim um registo histórico simbólico paradoxal.
Valter Vinagre parte da incógnita dos motivos que regem as acções do Homem, procurando despertá-lo através da imagem para a sua história (o retrato impossível daqueles que não presenciaram os acontecimentos) a partir dos vestígios camuflados na paisagem. Homem morto passou aqui centra-se, assim, nestes panoramas actuais de geografias e aparências insuspeitas, outrora frentes de batalha delimitadas por avanços e recuos das tropas francesas em Portugal ao longo de três Invasões.
No processo, o artista procura distanciar-se da herança ocidental da paisagem, enquanto representação burguesa do espaço e da propriedade, afeita à intemporalidade e aos processos sintéticos da pintura. Por oposição, empenha-se na patrimonialização do que perdura através da mutação da mesma. Esta perene e silenciosa dimensão histórica da natureza, que transporta para o presente a anatomia eterna das batalhas, numa arqueologia que se quer imaginária, é representada por contraste à tradição escultórica dos mármores e bronzes, que celebram um passado estático.