Conheço o trabalho de Pedro Pires desde 2006 e há algum tempo que algo me interessa: a capacidade do artista em criar um simulacro que aponta para uma realidade arqueológica ou para uma imagem de tempos distantes.
A arqueologia, o estudo de civilizações antigas pela via material, tem as suas origens na curiosidade, por vezes obsessiva, de alguns indivíduos pela pesquisa tangível desta cultura perdida. Por exemplo. Giovanni Battista Belzoni (1778-1823) foi um explorador que trabalhou em circos no Reino Unido, portanto na indústria do entretenimento e que, dada a sua formação em engenharia, acaba por ser contratado para transportar o famoso busto de Ramsés II com mais de duas toneladas, perante a dificuldade acrescida de apenas o poder fazer em duas semanas. Esta obra encontra-se ainda hoje no British Museum, tendo Belzoni ficado famoso por este feito e por ter gravado o seu nome atrás de uma das orelhas do referido busto. Ficou também conhecido por não usar explosivos na abertura das sepulturas e por ter descoberto a entrada da pirâmide de Quefren, em 1818, na qual também deixou o seu nome gravado para que não lhe retirassem os créditos de tal descoberta. Transladou igualmente milhares de objetos para o Reino Unido. Apesar de muitos considerarem Belzoni um ladrão de túmulos, alguns entendem que foi com ele e com outros como Flinders Petrie (1853-1942) e os seus famosos estudos sobre a vida quotidiana egípcia ou mesmo com Lord Elgin (1766-1841), mais conhecido por ter removido uma porção considerável de esculturas do Pártenon de Atenas que hoje se encontram no British Museum com o nome de Parthenon Sculptures, que se iniciou o interesse sistematizado pela descoberta e inventariação de objetos de civilizações perdidas. Tal interesse, para além de antropológico ou científico ou mesmo comercial, decorre também do fascínio por objetos antigos ou nos quais a passagem do tempo teve um papel importante na revelação da própria obra ao mundo ocidental, afirmando-se os Museus e os colecionadores como os taste makers da altura que incentivaram este gosto.
Os desenhos de Pedro Pires, pela forma e pela técnica aplicada, apresentam-nos imagens de corpos humanos verticais, em grupo ou individualmente, que nos transportam para outros tempos. Para os tempos das primeiras descobertas arqueológicas pelos autores acima citados. As intervenções cromáticas efetuadas pelo artista parecem indiciar a passagem do tempo e o efeito da patine, desvelando esse passado longínquo e misterioso. Quem são estas figuras anónimas que o artista nos apresenta? São figuras dos tempos de hoje? Talvez. São representações de outros tempos? Talvez. Estas ambiguidades são a chave para perceber o nosso fascínio e interesse por artefactos realizados pelos nossos antepassados e talvez ajudem a descodificar alguns dos grandes mistérios da humanidade. Este é o simulacro que as obras bidimensionais do artista exibem.
O trabalho de Pedro Pires destaca elementos pictóricos e plásticos que apontam para o efeito do tempo e do espaço na percepção. A sua obra aborda claramente os efeitos que abalam a nossa consciência histórica. Como Didi-Huberman menciona, «Diante da Imagem, estamos sempre diante do tempo.»1
Lourenço Egreja
Lisboa, 2022
1Georges Didi-Huberman, Diante do Tempo, Orfeu Negro, 2017.