Diante da atual pandemia as elucubrações sobre o fim do mundo proliferam por todos os lados. Uma série de textos especulam, com maior ou menor envergadura crítica, acerca do futuro e de suas incertezas. São muitas as narrativas engendradas que oscilam entre discursos redentores-salvacionistas e a catástrofe-apocalíptica.
Cataclismo ambiental, guerras, asteroides, hecatombe nuclear, bioterrorismo e um tanto de outros possíveis fins do mundo performam o nosso imaginário. O fantasma da escatologia tem sua história incrustada na sociedade judaico-cristã. Mas, bem antes da atual pandemia, de Daniel e de João, o mundo devastado já aparece no zoroastrismo. Figura também, e diferentemente, em diversas cosmologias de distintos povos originários. Cada qual com suas singularidades imaginam, anteveem, refletem sobre o fim do mundo. Mas de que fim e de que mundo estamos falando quando falamos em fim do mundo? Ou, como sugere Ailton Krenak, que mundo é este no qual ele propõe ideias para adiar o seu fim?
Tal qual os inúmeros fins, são muitos os mundos. No entanto, o tempo assume um protagonismo na maioria destas narrativas. Lê-se que o desfecho virá com o tempo, o tempo da espera, o tempo do anúncio, o tempo da salvação, o tempo conjugado no futuro. Mas não estariam os fins dos mundos em curso há séculos? Toda uma produção política de subjetividade opera nesta ordenação do tempo: empresariamento da vida, progresso, biopolítica, utopia, terra prometida, nacional desenvolvimentismo, religião, distopia, cronopolítica e daí afora. Uma disputa não apenas de futuro, mas de passado, de presente e, no limite, da própria concepção do tempo.
Mas o fim de mundo é também uma geografia ou, antes, uma geopolítica, um projeto. A pergunta comumente formulada circunscreve o fim do mundo no tempo: quando? e o trata de maneira unívoca e totalitária: o mundo.
O que ocorre se a pergunta for realocada aos pequenos domínios? E se atentássemos aos mundos, distintos, em constantes disputas e desfazimentos?
O que implica derivar o «quando será o fim do mundo?» para «onde estão sendo os fins de mundos?»
E, ainda, como pensar mundos sem pairar sobre nós a invenção do fim do mundo?
Na esteira de muitos textos que têm sido publicados durante a pandemia e de outros publicados num passado recente, propomos, ao invés de tentar responder as estas perguntas deixá-las reverberar através de muitas vozes aproximadas nesta edição da revista Wrong Wrong.
Yuri Firmeza