A união faz a força, e também a diferença – são essas as primeiras razões de ser do colectivo. Nele, os indivíduos juntam as suas práticas para uma ou múltiplas acções em conjunto. A construção de um processo, modos de fazer e visões em comum conduz os seus esforços a objectos artísticos distintos, que um só membro isolado não seria capaz de produzir. Das oficinas renascentistas de Verrocchio e Ghirlandaio, que possibilitavam dimensão e quantidade, à metamorfose contínua do colectivo Nsumi, o que se faz colectivamente gera para autores e obras um acréscimo de visibilidade e voz - ou então, pelo contrário, a possibilidade da indistinção, da diluição individual no colectivo. Seja qual for a opção, há um impacte social do colectivo que, à vez, projecta e preserva os seus integrantes. Não raro a sua influência é exponenciada, apressando mudanças que levariam mais tempo. Porém, por um mecanismo de compensação, talvez intrínseco, a sua duração não costuma ser longa. Há um período para a aventura colectiva, antes que as vicissitudes da vida pessoal, as complexidades da interacção de grupo e o embate com o meio artístico e a sociedade comecem a desconjuntar a união.
Dos colectivos evocados neste número da Wrong Wrong, nasceram dinâmicas que perduram além da existência dos seus participantes. É por vezes difícil compreender o papel que um projecto em evolução, multiplicado mas também repartido, até à inevitável extinção, exerce sobre os artistas envolvidos e a percepção da sua obra. O vocabulário e a gramática da arte colectiva moderna propõem matizes nem sempre apreciados entre as muitas afirmações, exclamações e negações que lhe dão corpo. E esse corpo, além dos ideais que o animam, é também feito do que resulta do encontro dos seus elementos. O que terão em comum Beuys e Spoerri na sua passagem pelo Fluxus, ou Christo e Lourdes Castro no KWY? A topografia anedotada do acaso de cada um poderia propor contactos alternativos, e-se-ismos que emparceirariam Spoerri e Michaux, Moholy-Nagy e Vertov, e até mesmo solitários como Cornell e Pessoa, libertos de constrangimentos geográficos e ideológicos. O mundo como uma data de colectivos à espera de existir: a ideia não deixa de evocar a diferença conseguida pelo colectivo cujo legado perdura.
Na fábrica de quinquilharia inútil em que se tornou o quotidiano da arte, pode muitas vezes o colectivo ceder à economia das necessidades criadas pelo mercado, parte da história pouco acidental da arte do Ocidente. Na sua faceta combativa, porém, o colectivo enche-se de brios e ocupa galerias e museus, abrindo com o seu activismo portas que só cederiam à força. A metáfora realiza-se (ou começa a realizar-se) quando já nem se pensa nela, quando se acha normal a existência e o espaço do colectivo, esquecendo que ele veio ocupar um local que era diferente antes da sua chegada. É, mais uma vez, essa diferença que nos entusiasma. A partir de uma reflexão sobre o alcance de pensar e agir colectivamente no mundo da arte e em sociedade, este número da Wrong Wrong tem por objectivo reavivar o papel das experiências de intervenção comunitária no território artístico. Os autores e criadores serão convidados a trabalhar segundo modelos de criação de processos colaborativos e identidades partilhadas nas artes contemporâneas. E a recordar o quanto a criação colectiva é umas actividade primordial, desde o momento em que o homem descobriu o recreio, desenvolveu a linguagem e começou a lidar com a interdita morte e o interdito desejo, confundíveis no ritual — que na sua base é sempre colectivo.
Marcelo Felix & Bruno Humberto