Iniciado em 2013, o projecto Souvenirs from Europe é uma série de 21 cartazes concebidos por artistas (fotógrafos, designers, performers, artistas visuais) que vivem e trabalham na Europa. Foi-lhes pedido que criassem um souvenir político do «Nosso Tempo», ou que escolhessem um «objecto de protesto» (tal como existiam canções de protesto nos anos 1960-70) que retratasse o seu país no âmbito da crise política (e financeira) que atravessa o projecto europeu. O resultado final do projecto tomou a forma de uma exposição portátil que foi proposta e enviada a espaços de arte (museus, galerias, teatros, festivais, livrarias) na Europa.
Souvenir(s) from Europe
Durante uma conversa entre nós sobre o projecto, apercebemo-nos que enquanto um de nós utilizava o título «Souvenir from Europe» (no singular), o outro entendia-o como «Souvenirs from Europe» (no plural). Esta diferença colocava o acento em duas abordagens distintas, não só da noção de «souvenir», mas também da própria problemática do projecto europeu: como unir as diferenças?
O «souvenir» é aquele objecto que levamos de lembrança quando visitamos de passagem uma cidade, um país ou uma localidade, ele materializa simbolicamente a experiência dessa visita sob a forma de um auxiliar de memória ou de um fetiche turístico. De Paris trazemos a Torre Eiffel, de Bruxelas um Manneke-Pis e de Pisa, uma torre inclinada. Mas que «souvenir», lembrança, poderíamos nós trazer da Europa? Se conseguíssemos pensar a Europa como uma entidade singular qual seria esse objecto simbólico? Sobre quais elementos se articularia o nosso sentimento de pertença a este território?
Se por «souvenirs» entendermos agora a sobrevivência, na nossa memória, de sensações, de impressões, de ideias e acontecimentos passados, então as nossas lembranças («souvenirs») da Europa inscrevem-se numa cronologia. Uma cronologia do desejo para alguns (euro-optimistas e eurófilos) ou numa cronologia do medo e da rejeição para outros (eurocépticos ou anti-europeístas). Nos anos 80, 90 ou 2000, as imagens que tínhamos do que se tornaria a Europa sucederam-se tornando-se hoje lembranças («souvenirs») da Europa... A Europa era um projecto alimentado de idealismos e de necessidade, com recursos humanos e tecnológicos imensos, forte de um potencial capaz de realizar um projecto de emancipação político, social, económico e cultural único e supostamente, quase infalível. É esta imagem da Europa que está hoje em crise. Uma imagem que se tornou anacrónica.
As lembranças («souvenirs») propostas nesta série são tomadas de posição. Tendo em conta a situação de crise que caracteriza actualmente o projecto político europeu, as lembranças («souvenirs») escolhidas/criadas pelos artistas identificam certos sintomas dessa crise. Elas são para ser vistas na relação entre esta actualidade e aquilo que havíamos imaginado que um dia a Europa poderia ser.
Hoje, nós sabemos que não há qualquer razão para acreditar na inevitabilidade e na infalibilidade do projecto europeu nem de acreditar que essa dinâmica possa ser reencontrada «como se nada se tivesse passado» nestes últimos anos. A crise grega marcou uma ruptura. As condições actualmente exigidas pelo Banco Central Europeu, pela Comissão Europeia ou pelos governos de certos países à custa de cidadãos de outros países têm repercussões desastrosas. Impor a Europa – e que Europa? – seguindo um esquema vertical (de cima para baixo) – ou do Norte para Sul – é desastroso. O sucesso do projecto europeu não depende apenas da capacidade das elites em resolver tecnicamente crises bancárias ou institucionais, ele depende também da vontade dos cidadãos de participar e de apoiar o projecto de uma União Europeia política, social, económica e cultural. A questão que actualmente se coloca é a de saber se é possível construir a Europa sem um/os povo(s) da Europa?
David-Alexandre Guéniot / Patrícia Almeida
Lisboa, Agosto de 2014
SOUVENIRS FROM EUROPE, um projecto da GHOST Edições com:
Agnieszka Rayss, Ali Taptik, Andrej Ðerković, Carlos Spottorno, Claudia Passeri, Eduardo Matos, Galeria de Arte Ambulante, Janez Janša, Jaap Scheeren, Kenneth O’Halloran, Kirill Golovchenko, Léo Favier e Schroeter und Berger, Marina Gadonneix e Guillaume Onimus, Panayiotis Michael, Peter Johansson, Petros Efstathiadis, Seba Kurtis, Superamas, Tehnica Schweiz e Katarina Šević, Unnar Örn Auðarson, Virginie Rebetez.