Transcrição da entrevista realizada por Carolina Montalvão, editora da revista Conflict & Theories, a Alexandra Trejo Berber, directora artística do Museu da Gentrificação.
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Carolina Montalvão: Estamos no final de 2018, Jair Bolsonaro acaba de ser eleito Presidente do Brasil. Ao preparar esta entrevista não podia deixar de pensar no fluxo migratório que poderá acontecer com esta vitória e se Portugal está ou não preparado para receber, não os habituais turistas, mas os cidadãos que têm de deixar o seu país por razões políticas.
Alexandra Trejo Berber: É incrível o que está acontecer. Em 2014, Narendra Modi tomou o poder na Índia; em 2017, Donald Trump tornou-se Presidente dos Estados Unidos, os Democratas da Suécia ficaram em terceiro lugar nas legislativas e agora Jair Bolsonaro é eleito Presidente do Brasil. Acho que está na altura de pararmos de achar isso fruto de um acaso populista. O mundo está a mudar e não há desculpas para continuarmos pensando que estamos a ser apanhados de surpresa. Não se trata de casos isolados, como já deu para perceber.
Quanto ao facto de Portugal estar preparado ou não, não sei, acho que toda a Europa tem de estar. O tempo de expansão já acabou, a Europa está a entrar no tempo de mediação, onde vai haver negociação, chantagem e traição. E como é óbvio, não são instituições como o Museu dos Descobrimentos que irão desempenhar este papel de mediador nas cidades europeias.
Carolina Montalvão: O fenómeno da gentrificação é um processo complexo que une um determinado espaço urbano a acontecimentos aparentemente díspares, que ocorrem numa esfera global. Será que isto pode ter um fim?
Alexandra Trejo Berber: Ainda na sua fase embrionária o Museu da Gentrificação apresenta a primeira exposição de Viktorija Zak, que parte de uma premissa utópica: o processo que dá o nome ao museu terminou, ou seja, como imaginar o fim da gentrificação? Logo à partida é impossível dar resposta a esta pergunta, pois a complexidade e a multiplicidade dos processos que envolvem a gentrificação ultrapassam qualquer análise que possa ditar o seu fim. Aliás, tanto o seu fim como o seu início partem de decisões políticas que envolvem muitos agentes, que desempenham papéis diferentes na organização e gestão de um determinado espaço urbano. No fundo trata-se da reconquista de um território que foi desvalorizado por falta de investimento na sua manutenção. Em cada caso surgem estas perguntas: Como é que ocorreu a sua desvalorização? Quem está por trás da reconquista deste ou daquele espaço urbano? A gentrificação de Lisboa não tem nada a ver com aquilo que aconteceu em Amesterdão ou Budapeste. Também acho irónico chamar Lisboa de «nova» Berlim, pois sinceramente parece mais um slogan turístico do que aquilo que de facto está a acontecer.
Carolina Montalvão: E qual é o papel de um museu no meio disto tudo?
Alexandra Trejo Berber: A gentrificação ocorre num determinado tempo histórico e no seu desenrolar vários mitos surgem para dar consistência social à violência implícita neste conjunto de processos. Por exemplo, como é que o mito da expansão se enquadra numa cidade como Lisboa? Ou o mito do entrepreneur? O papel do museu é dar um abanão nesta carga mitológica, sacudir isto tudo para que não restem dúvidas que o entrepreneur não é apenas um flâneur do mercado imobiliário e que a criação dos subúrbios não aconteceu apenas devido à existência das estradas, dos frigoríficos e do transporte individual; também houve um processo de descolonização que trouxe muita gente de volta para Portugal e foi necessário um processo de distribuição demográfica que afastasse algumas pessoas do centro das cidades.
Carolina Montalvão: Como mencionaste anteriormente, o primeiro projecto parte de uma ideia utópica: que a gentrificação pode ter um fim. Será que isso também é um mito que precisa de ser sacudido? Podes falar um pouco sobre o primeiro projecto e aquilo que será apresentado ao público?
Alexandra Trejo Berber: Quando institucionalizamos os mitos não estamos apenas a constatar aquilo que está acontecer ou a tentar perceber como aqui chegamos. Ter uma plataforma para o desenvolvimento e criação de mitos que ainda não fazem parte de um determinado processo facilita a interacção com o mesmo. Não é por acaso que é tão difícil de lidar com o fenómeno da gentrificação. A maioria das pessoas é confrontada com este fenómeno de forma individual, em geral quando pouco ou nada se pode fazer e a procura de um novo sítio para viver torna-se a única opção. No caso do primeiro projecto ele será apresentado a um público-alvo; e sim, ele parte de uma ideia utópica, mas o seu processo enquadra-se na realidade que nos rodeia. A ideia é fazer uma exposição com as fotografias de objectos que são deixados na rua durante o processo de remodelação dos apartamentos numa determinada zona da cidade e depois convidar os proprietários destes apartamentos a visitar a exposição. Claro que o processo de aquisição destas imagens faz parte desta experiência e será feito um desconto generoso para os proprietários que adquirirem as fotografias para a decoração das casas que foram remodeladas.
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Nota: Excerto da entrevista que será publicada na íntegra no catálogo da primeira exposição.