Galinha. O nome que damos a uma ave. O nome que damos à sua carne. A vida e a morte da galinha, a sua razão de ser para nós, estão entrelaçadas no nome que lhe damos.
A exposição de Helen Pynor, Fallen, conduz os visitantes através de uma série de trabalhos de fotografia que ruminam acerca da vida e morte da galinha domesticada, documentando um estudo de longo prazo que atravessou o espaço em aparência discreto das quintas, dos supermercados e dos laboratórios nos quais a galinha vive e morre, é comprada e vendida para tomar o lugar da vida de outros.
A artista comprou uma ave ainda com penas directamente ao matadouro, de modo a fazer os trabalhos fotográficos que capturam a forma da ave adulta em queda e depois sendo gradualmente, progressivamente, depenada e tendo regressado a uma forma embrionária. Estas fotografias capturam a sensualidade das penas do pássaro, no tipo de detalhe pictórico, vivido, que recorda as naturezas mortas do renascimento holandês, mas retratado face a um fundo de betão frio. Desta forma, as suas fotografias são quase o contrário das representações de riqueza daquele contexto pré-industrial, no qual só os super-ricos podiam vangloriar-se de tais luxos de frutos abundantes, de vegetais e de aves. Agora a galinha está em todo o lado e é a carne mais consumida na Austrália, com as tendências globais a irem ao encontro da nossa preferência nacional. Em Fallen, Pynor revela, e pede aos espectadores que contemplem, o pássaro individual frente a uma superfície rígida, criando a metafísica visual do espaço de transição industrial, sombrio, para a conversão desta galinha de animal vivo em carne para consumo.
Frente a esta sequência no espaço público da exposição está outra... feita nos laboratórios do Instituto Max Plank de Biologia Celular e de Genética, em Dresden. Enquanto que o nosso apetite por carne de galinha é bem conhecido e está bem documentado, o uso de fetos de galinha na embriologia é talvez menos visível. Nestes contextos, o embrião da galinha substitui-se ao humano, já que é um campo ético, político e religioso menos minado do que aquele que consiste em trabalhar com espécimes humanos ou com zigotos desenvolvidos em laboratório, para lá de alguns dias de crescimento. Convenientemente embalados fora do corpo sob a forma de um ovo, o desenvolvimento da galinha em várias fases embrionárias aparece como muito semelhante ao nosso, com dois olhos escuros, corpos rosa e quatro membros que emergem da rápida multiplicação e diferenciação celular.
A afinidade reconhecível da nossa morfologia partilhada é evidenciada por Pynor nestes trabalhos, já que os embriões de galinha são mostrados no processo de queda literal dos seus sacos de gestação, longe do espaço materno que o dá à luz, e em direcção às trevas. Figurativamente, os trabalhos também apontam para a escuridão que encobre a nossa própria compreensão do uso industrializado e medicalizado dos animais para a continuação e o apoio às nossas vidas.
Não é fácil contemplar estes trabalhos sem um grau de auto-reflexão que interrompa o acto de olhar – o que é precisamente a intenção da artista. A que proximidade é que estamos da fonte de alimento que nos dá vida? Quão limitado é o nosso entendimento da morte?... Será que nos sentimos bem com animais que tomam o nosso lugar? Será que reconhecer a galinha traz mudanças subjectivas à relação que temos com a nossa carne favorita? Com tanta experiência humana e animal comum que as maquinações da nossa cultura tornam invisíveis, o trabalho de Pynor em Fallen leva-nos a um território de emoção física e emocional que está habitualmente reservado a pessoas que trabalham nos bastidores para nos providenciarem a nossa carne e os nossos medicamentos.
Bec Dean, Curador independente
Setembro de 2017
Extractos do texto do catálogo da exposição Fallen, Galeria Dominic Mersch, Sydney, 2017.
Nota Ética
Foram seguidos guiões de ética científica no manuseamento de embriões usados em Fallen 12-14. A galinha fotografada em Fallen 1-7 foi morta num matadouro e não durante a elaboração deste trabalho.
A exposição Fallen foi apoiada pelo governo australiano através do Conselho para as Artes da Austrália, o seu financiamento das artes e o seu comité consultivo.