Dentro de portas, o espaço disponível nunca será suficiente. Mas nele mora a garantia da preservação da vida. Estas pobres aves, há gerações retiradas do seu estado selvagem, perderam toda a cultura que outrora lhes permitiu sobreviver de forma autónoma e em liberdade plena. Não há domesticação que não se inicie com violência. Domesticar é colonizar.
O processo é sobejamente conhecido: um ser dominante, através do uso da força ou da simples privação de liberdade, submete um outro indivíduo, por vezes da mesma espécie, a uma agonizante mas eficaz purga de sentido crítico e auto-suficiência. O ser dominado passa então a assumir um papel meramente utilitário. E utilidades há muitas: força laboral, arma de defesa, cuidador informal ou, porque não, mero adereço estético. Este último parece ser o caso das aves ilustradas nesta série fotográfica. O fotógrafo é, simultaneamente, agressor e vítima da sua própria ignorância em relação ao seu papel de colonizador de espécies.
Como em todas as domesticações, às aves em causa tudo foi negado: a capacidade de obtenção de alimento na natureza, o sentido de orientação, a capacidade de desenvolverem laços afetivos com outros elementos da sua espécie. Apenas uma propriedade não lhes foi negada: a capacidade de voar. Sem essa propriedade, estas aves não teriam qualquer valor para os seus colonizadores.
Apesar de tudo, e graças à sua última valência, estas aves aparentam não terem desistido de recuperar a sua liberdade, ainda que elas não saibam – ainda – que a mesma liberdade as conduzirá, inevitavelmente, à morte. Ou, quando muito, a uma nova clausura. Não desistem e fazem-no orgulhosa e majestosamente, esvoaçando com perícia pelos recantos acidentados do estúdio. Até ao dia em que, cansadas de tantas mortes em vão, estas aves domesticadas, brutalmente colonizadas, seja ou por magia ou por milagre, consigam furar o manto escuro da ignorância e assim reconquistar o lugar que sempre foi seu por direito.
Desengane-se quem jura que não. Aconteceu, precisamente, ainda aqui há uns anos atrás. Bastou tão somente um casal de papagaios verdes se evadir da casa de alguém na cidade de Lisboa. Casaram, tiveram filhos, e hoje são às centenas, talvez milhares. De forma orgulhosa e organizada enchem de verde os céus da capital, gritando estridentemente e lançando, de forma vingativa, cascas de sementes sobre as cabeças loiras das criancinhas que brincam no Jardim da Estrela.
Vieram algures de uma selva tropical, selvagens e incultos. Mas agora são Lisboetas, de pleno direito. Vivem sem pagar renda nas áreas mais caras da capital. Safaram-se bem e a especulação, assim como as taxas de juro, não é coisa que as incomode por aí além.