Personagens:
A e B (indiferentes, as vozes são quase declamadas), um coro dos Ausentes (alguns vestidos com pijamas cor de laranja – quase vermelhão – outros com chávenas de café na mão)
Um teatro à italiana.
O palco encontra-se vazio, quase sem luz, são visíveis alguns móveis amontoados em segundo plano.
Entram A e B, observam vagamente os móveis e depois voltam-se, olham em direção do público mas atravessando-o com o olhar como se vissem um filme projetado mais além ou, talvez, um estereograma gigante.
A: São as imagens de que te falei, da cidade de … depois dos bombardeamentos. Tornaram-se comuns nos meios de comunicação social (faz uma pausa, como para refletir) durante algum tempo. São cidades destruídas, arquiteturas forenses.
B: São-me familiares, são iguais às de todas as guerras.
A: São estranhas...
B: (interrompendo) são entranhas familiares, porque sempre estiveram aqui.
(pausa)
A: Eu digo que são de … porque faço fé no que me dizem. E é aí que quero chegar. Tanto podem ser de … como de outro lugar qualquer. A informação que nos chega é sempre filtrada.
B: Foram apanhadas na internet e trabalhadas no photoshop. É estranhamente fácil mudar este tipo de imagens sem as tornar inverosímeis. Não são rostos.
A: Seriam ótimas pistas de parkour.
B: Ou de um filme de ficção.
A: Ideais para ficções, exercícios físicos e gatos de rua.
B: Fazes fé nisso? (ri, depois silêncio)
(entram os Ausentes)
Canta o coro dos Ausentes: No Gulag era a mesma coisa! Nada mudou, deixámos só de existir. E é isso. O nosso sangue é fluído e as nossas imagens foram pixelizadas. O nosso rosto é um borrão no vosso PC. Perante as vossas vítimas, tornais-vos iconoclastas. (pausa) Só os bárbaros nos representam?
(saem)
A: Não me habituo a esta brisa morna.
B: Eu estou cansado de tentar ver as imagens para além das imagens... (estica o braço em direção do público, com o dedo indicador em riste, como a estátua de Colombo em Barcelona; depois senta-se na borda do palco e fica assim, com as pernas a abanar). São factos, agora.