À biblioteca sem catalogação deu-se um nome, terra interdita. Nela submergidos, o movimento do desejo e do medo.
Para preservar a sua liberdade, uma vez mais, o Homem criou fortalezas, por vezes muros. Disse – «Aqui. É meu.» – e não foram poucas as vezes que teve medo, só, dentro da sua própria fortaleza.
Terá um arquivo sem catálogo estatuto de arquivo? A quem se deve perguntar?
Aqui, a falta de decisão fez inventar caminhos cassetes jornais cigarros livros jornais cigarros de ficção científica livros entrevistas policiais critique littéraire ensaios romances história romances históricos Oriente botânica filosofia filologia astrologia bourbon cigarros Ocidente livros livrinhos livros pequeninos notas manuscritos restritos escritos sobre papéis números letras uma acção! Se ao menos pudesse queimar todos os arquivos do mundo sem medo do esquecimento porque ele virá, ele virá, ele já aqui está, trocar os temp - mais à frente - mas edificar em conjunto o conheci- noutro papel - começar sempre por - caligrafia incompreensível seguida de - bater as claras em castel- e ainda - «os governos têm de se debruçar a fundo sobre a senilidade dos povos» - por fim, um apontamento indica um caminho.
A 20 de Junho de 1974, Daniele B. Cooper - biografia opaca, nacionalidade desconhecida - viaja para Portugal na companhia de tantos outros espectadores da revolução. Fascismo nunca mais - disseram eles, um novo começo. Sobre Daniele restam poucas palavras. Acredita-se que, durante a sua estadia, desenvolve uma série de happenings pela cidade de Lisboa. Ocorrem por vezes a todas as horas, incessantemente. Quem as viu deixou escritas as directrizes para reconstituir essa performance. Um estudo sobre a luz, a transitoriedade e os objectos civis de mudança, pelos quais Cooper parece guardar especial apreço.
Pedaço de papel endereçado aos leitores, incansáveis trabalhadores do conhecimento. Terá algum a resposta para os enigmas que dominaram aquele que, em desmesurado desejo de acção, se ocupou de guardar cada palavra, cada imagem até se cobrir delas uma a uma e perfurar uma terra interdita, dormir.
Isadora Alves