O instante de uma passagem pode reverter-se num acto de resistência, anunciando-se como ruptura, gerando direcções outras. Subsiste, no momento do que é transitório, a vontade de corromper a narrativa da força imperante, de contrariar a homogeneidade do «tempo vazio» (Benjamin, 2007: 261)[1]. No instante intrínseco recupera-se, pois, a dialéctica da imagem, aclamando-se a sua capacidade de ressignificação. Neste seguimento, talvez seja possível restaurar o sentido do passado através da potência da diferença. Importa fugir à ideia totalizadora e, na descontinuidade promovida pelo que transita, estabelecer novas conexões. Deste modo se interrompe o suposto continuum da História. A imagem deve dispor-se à releitura, à acção reflexiva, e, porque se encontra dentro de um movimento de vai e vem, que recorda e esquece como uma «memória curta», já não começa nem conclui. Não me parece, então, que a fórmula do rizoma enunciada por Gilles Deleuze (1925-1995) e Pierre-Félix Guattari (1930-1992) esteja assim tão longe de se poder estender à imagem. Mas a que imagem? À imagem-passagem, heterogénea, que conecta e que nunca se encerra, que não se submete a leis, à imagem antigenealógica que não mais decreta «o verbo ‘ser’», mas que defende a conjunção «e… e… e…». (Deleuze e Guattari, 2007: 30, 37 e 48)[2]
^ BENJAMIN, Walter (2007), «Theses on the Philosophy of History» (translated by Harry Zohn), ARENDT, Hannah, ed., Illuminations. Essays and Reflections. New York: Schocken Books.
^ DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix (2007), Mil Planaltos. Capitalismo e esquizofrenia 2 (tradução de Rafael Godinho). Lisboa: Assírio & Alvim.