Lothar Michael à propos Stampiglien de Karolyn Morovati
[…] A dialética do mais ou do menos, abre-se e revela-se na apresentação e, por consequência, na designação – ou seja, na significação de um campo inocupado; isento de qualquer determinação, como se tal fosse possível, uma serena inexistência; há algo que aqui surge de certo modo como um sinal que diferencia. Este posicionamento faz uma distinção e cria ao mesmo tempo uma denominação. Distingue uma área demarcada de uma não demarcada e identifica uma designação.
Aqui, esse primeiro sinal é um carimbo de borracha, isto é, um pedaço de cauchu, e novamente, ostensivamente, o estado de um espaço anterior demarcado ou quase demarcado, ou, neste caso, um corpus; mesmo que, como já implicado, seja praticamente impossível encontrar um estado genuinamente vazio, sendo no entanto necessário começar, como quer que seja, de forma a que este quase pedaço prístino de cauchu, que na verdade já se encontra pré-demarcado através da própria forma do seu corpo, tenha ele sido pré-fabricado aquando da sua produção ou posteriormente re-modelado pela artista ou, antes, ainda por outrém, e seguidamente talhado e moldado por ela complementarmente como um sinal, sendo-lhe depois aplicado um determinado tipo de tinta feita de corante ou pigmento, adicionando-se-lhe assim uma nova distinção e designação, um novo sinal, através de cor e textura; este carimbo de borracha revestido de tinta é então pressionado sobre o papel, de modo a transferir uma imagem colorida para esta mesma superfície de papel, deixando sobre ela uma primeira distinção e designação, num anterior (quase) vazio, acrescentando-lhe algo.
Mais do que isso ... por iteração, ao pressionar novamente o carimbo sobre o papel, colocando uma nova imagem após a anterior ou a seu lado. Uma repetição, uma re-denominação, isto é, uma nova distinção, contudo, mesmo usando o mesmo carimbo e a mesma tinta, e assumindo que o carimbo seja até colocado diretamente após a imagem anterior, a seu lado ou sob esta, tal re-denominação, que numa linha estreitamente lógica pura e simplesmente não alteraria o valor da primeira distinção, não conduz a um regresso ao mesmo estado anterior. Acrescenta-o. E, em breve, o campo fica todo ele repleto de sinais, fervilha, e padrões intrincados ganham forma.
[…]
E nós, na qualidade de observadores, ou contempladores, devido a olharmos para um traçado de actividade visual já findo, interiorizando-o ao deixar os nossos olhos divagarem sobre esta aglomeração, esta acumulação de sinais, dando connosco envolvidos numa re-visão, numa re-tomada de distinções e designações, de posicionamentos, postulações, que segundo o nosso entendimento formam um tapete e dentro dele um sujet en procès[1] tecedor, um jogo de interacção entre simplicidade e abundância, denotando a existência de uma quarta pessoa singular[2], e qualquer análise de quaisquer Laws of Form[3] ganha menor importância num desvio que se instala. […]
Traduzido do inglês (alemão) por Ana Paula Correia.
Footnotes
^ Cf. Julia Kristeva, Le sujet en procès. In: id., Polylogue, Seuil, Paris 1977, pp. 55-106.
^ Lawrence Ferlinghetti, cit. por Gilles Deleuze, Logique du sens, Éditions du Minuit, Paris 1969, p.125.
^ Cf. para algumas inspirações das palavras introdutórias acima: George Spencer-Brown, Laws of Form. Allen & Unwin, London 1969.