Sempre que fui visitar os meus avós ao interior do país tive sensações de profundo distanciamento relativamente à realidade urbana da minha cidade. Com os anos procurei compreender e interpretar esse sentimento que até hoje desperta em mim forças criadoras.
O ambiente rural deste parte do pais é um território rodeado de paisagens extensas e ondulantes, pouco habitadas e onde nascem naturalmente azinheiras e sobreiros, rosmaninho e muitas outras formas da biodiversidade, ainda intactas comparativamente à cidade. No solo, particularmente aromático, nota-se o barro vermelho e os afloramentos de xistos ferrosos, veios de quartzo e montanhas de mármore extraídas do subsolo. Na aldeia de Terena, as poucas casas conservam um traço rústico que instantaneamente parecem de outras épocas. Outras casas vêem-se isoladas nos topos dos montes distantes. Ali se alimentam as pessoas de muito sol, pouca chuva, pequenos cursos de água, animais, hortas, a presença de um velho castelo e igrejas conservadas em cal.
Estes aspectos conferem às pessoas costumes específicos da fala, do corpo, dos hábitos diários que resultam depois numa espécie de resistência cultural ou então pode chamar-se preservação de costumes. Sente-se uma dureza que se associa à condição de viver com pouco, mas muito bem entendido com o ambiente. Sempre senti uma inteligência própria na utilização que os habitantes fazem dos recursos. Agora essa inteligência depara-se com algo diferente na forma de fazer do tempo corrente, vêm-se modificações que o tempo voltará a encobrir. Diria que muitas vezes vi o mesmo passar-se em outras terras distantes das cidades, funcionando nos lugares uma espécie de contacto com a roda do tempo que avança a um ritmo lento.
As visitas ao interior aglomeraram-se num conjunto de memórias. Dessa massa de impressões pareceu despertar uma força continua e reveladora, ligada ao umbigo da terra e logo uma consciencialização da sucessiva passagem do ser humano, breve, deixando seus legados uns após outros com intervalos de pó. Percebo diferentemente depois destas experiências, o homem sem início nem fim a gravar as suas presenças na terra, morrendo e nascendo continuamente, por vezes lembrando-se da sua evolução outras vezes esquecendo.
É com esta atmosfera imagética que comecei os trabalhos que aqui foram selecionados. Na primeira imagem, o fogo como elemento principal. Ele é o espectro diferenciador através do qual nos lançamos na profundidade do tempo. Basta um sentar-se junto a uma fogueira em qualquer noite fria, lançar o olhar nas labaredas, cheirar a madeira que se consome em fumo, mover as brasas e cinzas para logo recomeçar a pensar na sua essência intrínseca. E dali está aberto no pensamento o caminho da criação.
As obras apresentadas são pinturas, esculturas, instalações, site specifics, desenvolvidas neste contexto e funcionam como transferências das sensações para corpos físicos. Os materiais ou suportes tem quase sempre uma relação directa com o ambiente circundante seja a pedra, o pigmento, a cal, o solo ou o barro.