Tudo o que há em mim é fruto de tudo o que ouve em mim
Filipe Cortez e Ana Sophie Salazar
A única constante é a mudança disse Heraclito de Efeso e disseram muitos outros e quem não disse não foi por isso que deixou de experimentar essa verdade na própria pele. A maior parte das mudanças não são de repente da noite para o dia do dia para a noite. Tudo está constantemente a mudar um bocadinho de nada a cada instante nem se nota porque é tão pouquinho não se vê porque os olhos habituados se deixam iludir pela aparente constância.
As coisas não mudam muito subitamente tudo muda um bocadinho de nada a cada instante. A cada instante o tempo parte sem despedida e com o passar do tempo as minúsculas reacções químicas acontecem e as formas e as cores e os materiais mudam mudam mudam. Às vezes planeamos mudanças construímo-nos e construímos o mundo à nossa volta de acordo com os nossos planos mal correm bem mal correm mal. Às vezes queremos mudança porque tivemos uma visão de como pode ser melhor de como poderia ser diferente. Mas quem planeia que articulação lhe vai começar a doer primeiro quem prevê que ruga se vai afundar mais primeiro quem escolhe que dente ficará mais amarelado primeiro?
A cada instante mudança. Cada momento grávido do momento seguinte cheio de tempo para passar com inúmeras partículas a mudar. E o que era já não está. O artista pergunta-se como capturar como segurar? Como entender analisar observar transformação e homenagear memórias sabendo que qualquer material utilizado estará sujeito à mesma lei. Vão ficando vestígios. Vão-se acumulando peles anteriores vão-se calcificando ou assim parece. De pele a tijolo de pele a pedra de tijolo a material de construção. Construção de memórias de passados de histórias de lugares que foram. No passado não há presente.
Camadas e camadas de pensamentos pensados e restos mumificados num palimpsesto onde tanto quanto se soma também se subtrai. A esperança de construir uma casa. Uma identidade com lugar onde o tijolo é forte e ai se o tempo não fizesse tudo decair não seria o tempo e não seríamos nós. Como em pintura a laca pacientemente aplicamos cada camada e tranquilamente retiramos excessos ou o tempo retira-os por nós. Que ninguém deixe de gravar imagens de incrustar pedras preciosas de polir e dar brilho só porque o tempo vai passar. O tempo já passou.
Tudo o que há em mim é fruto de tudo o que ouve em mim.