«A Fala das Cabras e dos Pastores» é um projeto em construção particularmente interessado na investigação e no mapeamento da linguagem sonora usada entre os pastores e os seus animais de pastorícia. Aqui, tenta-se identificar os trejeitos, as vocalizações e a protolinguagem entre diferentes espécies. Recuperam-se os modos e as dinâmicas do primordial e exploram-se lugares de relacionamento entre humanos e animais.
Tendo como objetivo último abarcar os vários distritos de Portugal, o projeto conta com registos em Bragança, na aldeia de Lagoa em Macedo de Cavaleiros (2015—2019) e em várias aldeias de Miranda do Douro (2021); está atualmente a ser realizado o levantamento audiovisual em várias localidades da Serra da Estrela.
Em 2021, durante a residência artística que realizei em Picote a convite da Frauga, no âmbito dos Encontros da Primavera, tive a oportunidade não só de continuar o levantamento das vocalizações que os pastores usam para interagir com o seu gado (chamar, juntar, orientar ou avisar sobre a presença de predadores), como também de desenvolver uma extensão física do projeto «A Fala das Cabras e dos Pastores» através da criação do objeto «Pedra Boca». A «Pedra Boca» é um bloco em granito, ao alto, com cerca de 120 kg de peso e com inscrições registadas em jato de areia que, à imagem das estelas encontradas na aldeia, transmite significado, sentido e linguagem.
Com a «Pedra Boca» procurei criar um exemplar único que materializasse alguns dos trejeitos mais comuns identificados na «A Fala das Cabras e dos Pastores» em Miranda do Douro, e assim perpetuar graficamente a protolinguagem daqueles pastores e daquele contexto.
Se por um lado, a criação de um objeto com o «som» gravado cumpriu a necessidade de representação simbólica, por outro, a criação de um objeto em pedra, o material mais duradouro existente, cumpriu a necessidade de garantir a partilha com as gerações futuras.
Ao fim e ao cabo, a pedra (através das estelas) foi a estratégia que perdurou no tempo e que nos permitiu perceber a história da aldeia de Picote e da região; a pedra continua a ser umas das formas mais universais, básicas e primordiais de transmitir informação.
Atualmente exposta no Museu de Miranda do Douro, a «Pedra Boca» será brevemente submersa no rio Douro, ou enterrada em parte incerta na aldeia de Picote, para ser preservada pelo esquecimento e eventualmente encontrada e traduzida séculos depois. Esta ação performativa acontecerá em 2023 e será registada em vídeo e posteriormente integrada no filme do processo.
IMAGENS
1. Corno. Imagem do projeto «Entre o granito, um atlas», feito durante a residência artística dos Encontros da Primavera 2021, na aldeia de Picote, promovida pela Frauga.
2. Vídeo «A Fala das Cabras e dos Pastores» — Lagoa, Macedo de Cavaleiros. Bragança. 2015 — 2019. Pastores: Amâncio Madureira, China, Osvaldo Pato Vila, Alberto Bobo, Augusto Badal.
3. Vídeo «A Fala das Cabras e dos Pastores» — Picote, Miranda do Douro. Bragança. 2021. Pastores: Telmo Cangueiro, Francisco Preto, Maria Da Conceição Gonçalves, Albino Delgado São Pedro, Maria Helena João, Marco Curral, José Manuel São Pedro.
4. Conjunto de Estelas. Fotografias cedidas pelo Museu de Miranda e do Eco-Museu da Terra de Miranda, no âmbito da investigação realizada para o projeto «Entre o granito, um atlas».
5. Registo audiovisual da vocalização selecionada (cá obeeeelha), pelo pastor Marco Curral, para gravação na «Pedra-Boca».
6. Representação gráfica do espectro sonoro da vocalização selecionada para gravação na «Pedra-Boca». O estudo da tradução gráfica do som foi realizado pelo professor, músico e artista sonoro José Alberto Gomes.
7. «Pedra Boca». Díptico com vista geral e detalhe.
8. Vídeo do processo de criação da «Pedra Boca».