«Aquele troço era estreito e rectilíneo, apertado entre margens altas como as trincheiras de uma linha férrea. O crepúsculo insinuou-se para dentro dele muito antes de o Sol se ter posto. A corrente deslizava, lisa e veloz, mas uma imobilidade muda assentava sobre as margens. Dir-se-ia que as árvores vivas, ligadas umas às outras pelas trepadeiras, e todos os arbustos vivos do mato rasteiro se tinham transformado em pedra, até ao mais tenro raminho, à folha mais subtil. Não era o torpor do sono, era algo fora do natural, como um estado de transe. Não se ouvia o mais leve som, de espécie nenhuma. Olhávamos pasmados, e começámos a desconfiar que tínhamos ensurdecido; então, a noite caiu de repente e deixou-nos também cegos».
CONRAD, Joseph. 2012 [1902]. Coração de Trevas, trad. por Margarida Periquito. Lisboa: Relógio D’Água, p. 54.
–
«X-RAY», 2008-2019
42 x 29,7 cm
Impressão digital em papel vegetal de negativos de desenhos