Estar offline é uma oportunidade para encontrar um pouco de silêncio e quietude de que tanto necessitamos. E parece que trazemos o silêncio connosco de modos pessoais (silêncio como experiência de escuta, digo).
O silêncio é normalmente associado a ausência de som. Já sabemos desde há décadas que esta noção não é bem real. Como John Cage relembrou na sua história, ouviu dois sons numa câmara anecóica: o seu próprio sistema nervoso e o seu sangue em circulação, como lhe explicaram quando saiu. Esta epifania de 1952 «partiu o chão» para toda a música que se seguiu e ainda hoje se sentem as suas ondas de choque. Estamos sempre a ouvir sons, o silêncio é impossível.
Tenho tido grade interesse pelo silêncio, especialmente desde que me envolvi com maneiras de pensar o som que são mais comuns entre os músicos de jazz. Fascinou-me observar músicos como Miles Davis, que usam silêncio intrínseco ao discurso musical e como o silêncio tocado em redor dos sons determina o seu impacto e significado.
Assim, do ponto de vista do fazedor-de-som, o silêncio é um som que não se faz, ou inactividade sonora. Noutras palavras, é uma ausência de som relativa, enquanto todos os outros sons continuam a ocorrer. Quando decidimos estar silenciosos, o resultado é a abertura de espaço para a infinidade de sons a acontecer nesse momento. Sei Miguel, um sábio mestre, trompetista e compositor, chama a esse panorama sonoro «uma qualidade de silêncio», mesmo que seja cheia de sons.
Para um ouvinte, porém, o silêncio tem uma nuance diferente. Sendo verdade que o silêncio é impossível, pode discutir-se se o silêncio é algo que ocorre na consciência. Portanto, quando alguém dorme – ou faleceu – não está a ouvir sons, ou pelo menos não está consciente de ouvir quaisquer sons. Isso é silêncio? Como no exercício de pensamento «se uma árvore cai na floresta e não está ninguém a ouvir, faz um som?» – aquela produz sem dúvida uma onda de vibração, mas um som só é som quando é ouvido, por isso eu diria... não. E o mesmo deve ser verdade para o silêncio. Se alguém não está consciente de que não está a experienciar a audição de som, isso é silêncio? Eu diria que não, porque seria necessário estar consciente do silêncio para este ser real na sua experiência.
Deixando de lado este aparte, o silêncio é então percepcionado como uma qualidade de quietude. Quão silencioso deve ser um ambiente para que ocorra «silêncio»? Uma igreja vazia? O zumbido distante de uma cidade? O quarto de dormir à noite? Parece que cabe a cada um decidir. Para o silêncio ser «silêncio», deve satisfazer os padrões qualificadores de cada um. Uma experiência de escuta que satisfaça o seu conceito de silêncio.
Daqui se poderá concluir que o silêncio é afinal o outro lado da moeda do ruído, por razões ligeiramente diferentes. O ruído não é mais que um som que alguém não quer ouvir. É um atributo disfuncional e subjectivo do som, por isso não tem substância real enquanto coisa em si. O ruído não existe. É interessante que por seu lado, o silêncio enquanto experiência de escuta de som que satisfaz uma ideia subjectiva, não existe também em si.