Fotografia e cinema em análise – imagens e imaginários de esquerda
Com a introdução da técnica de reprodução do meio-tom no final do século XIX a fotografia expandiu a sua circulação perante os olhos de todos, transformando-se numa arma de crítica social e num instrumento poderoso na representação das condições de vida nas cidades e no apoio à luta por maior igualdade social. No centro desta mudança está claramente a especificidade da ontologia fotográfica, assumida como «espelho» da realidade e com a potência associada para revelar a verdade, a expor e divulgar. Fotógrafos como Jacob Riis, Lewis Hine, mais tarde Dorothea Lange e Walker Evans, entre muitos outros, investiram profundamente na missão de expor as consequências sociais do desenvolvimento industrial e do crescimento do capitalismo moderno.
Mas também nas primeiras décadas do século XX, o uso de imagens como forma de impulsionar a consciência social e política recebeu um novo e significativo impulso com o cinema, no trabalho de cineastas como John Grierson, Flaherty, Joris Ivens, Pare Lorentz, Vertov, Dovjenko. Combinando intenções documentais com estratégias experimentais no cinema, trouxeram novos argumentos para a discussão de questões sociais e políticas.
Enquanto ferramentas documentais, cinema e fotografia tiveram também um papel crucial na transformação das artes plásticas, ampliando nestas a consciência política e proporcionando-lhes uma linguagem de «compromisso com o real». Artistas como Andy Warhol e Robert Rauschenberg cedo se aperceberam do potencial do cinema e da fotografia como medium artístico, devido à sua ontologia realista, permitindo-lhes colocar a arte num tempo presente e aberto à performatividade.
Depois do que se designou como «Pictorial Turn» na História da Arte e da área de estudos da Cultura Visual nos anos 70, trabalhos como os de Victor Burgin, Ana Mendieta, Allan Sekula, Cindy Sherman, Jo Spence, entre muitos outros, surgiram novas formas de construir a realidade no plano artístico interpelando directamente todo um mapa de imagens pré-existente. As possibilidades políticas do uso da fotografia e do filme vieram permitir a expansão da arte no sentido do questionamento das questões sociais contemporâneas, tais como género, capitalismo, esclavagismo moderno, infraestruturas económicas, direitos das mulheres, paisagens pós-coloniais, repressão política.
Este número da Wrong Wrong Magazine procura reunir algumas das contribuições que tiveram lugar na recente conferência internacional — «The Left Conference – Photography and Film Criticism», que decorreu na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa em Novembro de 2017. Esperamos, com esta publicação, e agradecendo o convite da Wrong Wrong, contribuir para alguns dos debates fundamentais do mundo contemporâneo através da análise da capacidade das imagens e do seu poder crítico quando usado por artistas, fotógrafos, cineastas e filósofos.
Margarida Medeiros & Paulo Catrica