Exorbitante é algo que excede a órbita, o seu espaço natural, o seu itinerário pressuposto, ou seja, é o que transpõe o espaço previsto, que invade ou se evade, que se recusa e se excede, que passa para o lado de lá, para lá do limite. Neste sentido, o exorbitante excede tanto o confinamento como o previsível.
O ecrã confina a imagem, limita-a e contém-na. O que é uma imagem senão aquela coisa plana e contida? São os limites que desenham a fronteira da imagem com o mundo – ou seja, de um lado a imagem, do outro, o mundo, sem nunca se confundirem. No prefácio do livro Broken Screen, que empresta o título ao tema deste número da Wrong Wrong, Doug Aitken escreve: «penso que a experiência da não linearidade e da fragmentação está sempre connosco. Por vezes são vistas como perigosas e estão frequentemente associadas ao caos. Mas, em muitos aspectos, são mais fiéis à realidade. Pretendo que este livro desafie o pressuposto de que a desorientação é perigosa e proponha que a aleatoriedade que encontramos na vida pode ser muito produtiva.»
O ecrã único uniformiza, ou seja, dá a mesma forma – o mesmo contorno – a tudo; encafua nos mesmos limites as imagens heterogéneas – a pulga microscópica num pêlo microscópico, a montanha longínqua mas gigante ou a Terra total vista do espaço, a paisagem parada do deserto ou a rajada rápida e súbita.
Broken Screen significa estilhaçar o ecrã para finalmente expor, em vez do único, o múltiplo, em vez do um, multidão, em vez de coisa, explosão. Tornar porosos os limites do ecrã, para que as imagens se derramem e ocupem outros espaços ou ecrãs, explicitando a simultaneidade das coisas, ou seja, aproximando-as de uma experiência da vida.
O ecrã único afunila, portanto. A proposta do broken screen talvez seja a de virar o funil ao contrário, desconstranger, libertar, tornar caótico, acolhendo o caos como a situação em que todas as possibilidades se tornam visíveis ao mesmo tempo e no mesmo espaço. Tornar as imagens exorbitantes, portanto. Pascal Quignard, como é habitual, oferece um outro significado possível ao vocábulo – «um terceiro soldado, que usa uma couraça cintilante, enfia um punhal no seu olho e começa a primeira exorbitação.» Exorbitar, ou seja, cegar, deixar de ver.
Filipe Pinto