Do Outro lado do Espelho
A exposição «Do outro lado do espelho», visitável até dia 5 de Fevereiro de 2018 na Fundação Calouste Gulbenkian (Edifico Sede, Galeria Principal), reúne um conjunto de particularidades que fazem dela uma exposição bastante atractiva para o grande público. Cobrindo um arco cronológico extenso (do século XIII à actualidade), apresenta 69 obras seleccionadas por Maria Rosa Figueiredo (em colaboração com Leonor Nazaré) em que a pintura, apesar de predominar, convive harmoniosamente com trabalhos em escultura, fotografia ou vídeo.
Divididas em cinco núcleos temáticos («’Quem sou eu?’: o Espelho Identitário»; «O Espelho Alegórico»; «A mulher em frente ao espelho: A Projecção do Desejo»; «Espelhos Que Revelam e Espelhos Que Mentem» e «O Espelho Masculino: Autorretratos e Outras Experiências»), as obras expostas são provenientes do Museu Gulbenkian e de muitas outras conceituadas colecções públicas e privadas (nacionais e internacionais) como o Centro Pompidou, a Tate, o Museo Reina Sofia, o Museu Nacional de Arte Antiga, o Museu de Ciências da Universidade de Coimbra ou a Caixa Geral de Depósitos, entre outras.
Para além da inquestionável qualidade de muitas das peças apresentadas, o projecto museográfico (que transforma de forma inesperada e desafiante o espaço expositivo), é outra das particularidades que merece ser destacada, envolvendo o visitante numa experiência diferenciadora.
Numa exposição que assume como temática a recorrente presença do espelho na história da arte europeia, a figura feminina acaba por se revelar o denominador comum de muitas das obras. Entre a mulher voluptuosa e desafiadora, que contrasta com a que exibe uma beleza discreta e postura serena, passando pela que aclama o corpo esbelto e a postura misteriosa percebemos que, do outro lado do espelho, são elas que maioritariamente se sentam e se oferecem ao nosso olhar.
A presença do espelho abre uma imensidão de leituras possíveis, que vão da tentativa de representação mimética da realidade, sem no entanto descurar a consciência de que a superfície reflexiva pode iludir e enganar – quer privilegiando, quer deformando o original. Estabelecem-se através do recurso ao espelho um conjunto de jogos que, em última análise, recordam ao visitante que também ele se observa a si próprio quando fixa o olhar numa obra e se deixa cativar por ela.
Trata-se de uma temática bastante abrangente, que por certo abriu inúmeras possibilidades de selecção de obras à curadora, podendo levar-nos a questionar a não presença de artistas que nos pareceriam escolhas mais ou menos óbvias (nomeadamente no domínio da arte contemporânea portuguesa). Cabiam de facto muitas peças nesta mostra, mas as que entraram não desiludem, e convidam o visitante, mais ou menos especializado, a deslocações recorrentes à exposição (recordamos que nas tardes de domingo a entrada é gratuita).
A propósito de «Do outro lado do espelho» foi desenhada uma programação paralela que incluí conversas com artistas que têm obras expostas, caso de Paulo Mendes e Cecília Costa. CC