«Observatório de Tangentes» é a última exposição de Valter Ventura, comissariada por Celso Martins, em exibição até 7 de Maio de 2017, no MNAC – Museu do Chiado, em Lisboa, na agora denominada Sala Sonae. Nesta exposição, o fotógrafo... ou melhor, o artista, recorre a vários conjuntos de trabalhos aparentemente díspares para conduzir o espectador através de uma abordagem sobre o fotográfico. A exposição denota a intenção de criar um diálogo através de pistas que o artista vai ora introduzindo, ora retirando, no sentido de dar contexto a uma reflexão que quer fazer com cada visitante.
Num primeiro plano surge um conjunto de fotografias onde são exibidas imagens de dispositivos ópticos, que permitem estender o olhar, ou que de certa forma estão ou estiveram associados ao início da fotografia ou da visão mediada – um óculo, uma luneta, um sextante (para ver a posição das estrelas e por onde o utilizador poderia «ver-se» no mapa mundo), uns óculos de infravermelho (que permitem ver além do espectro do visível). Nestas imagens encontra-se patente a complexidade do acto de ver e é justificada a construção dos dispositivos: a impossibilidade física do corpo humano de ver para além do raio de alcance da visão, da periferia da sua visão, de ver na ausência de luz a «olho nu» e de ver-se em referência ao espaço que ocupa. Por outro lado, aborda igualmente a necessidade ou a condição do fotógrafo de se tornar invisível perante o objecto ou acção que quer ver ou captar com o dispositivo fotográfico. Aqui entram as primeiras pistas que relacionam o acto de disparar uma câmara fotográfica com o acto de disparar uma arma de fogo – uma imagem de uma réplica da espingarda fotográfica de Étienne-Jules Marey, uma «pistola flash» («The Pistol Flashmeter»), um periscópio, um fato camuflado. O artista insinua que o fotógrafo é um caçador de imagens. Alguém que quer ver e não ser visto. Um voyeur com instintos predadores.
A meio da sala e dispostas em lados opostos, encontram-se mais dois conjuntos de trabalhos. Se por um lado, se acentua essa associação entre o acto de disparar, a câmara fotográfica e a arma de fogo; por outro, Ventura cria um desvanecimento. Confirma-se a etimologia da palavra «snapshot» – termo associado tanto para o contexto fotográfico como da arma – o acto.
A arma fotográfica de Marey volta a ser a intersecção entre os dois contextos, com a presença de uma imagem demonstrando a utilização da «arma». Ao seu lado, pode ver-se um grupo de imagens de pratos (ou «clay pidgeons») usados na prática de disparo de armas. Este conjunto começa por mostrar uma diferença entre as duas práticas: o lado destruidor da arma de fogo e o lado construtivo da fotografia, onde uma sequência com igual número de disparos, quantos os da arma de fogo, permite criar uma série onde se evidencia a habilidade de quem realizou os disparos. Uma visão forense que permite reconstituir o disparo da arma e até caracterizar o perfil do disparador.
No lado oposto, figura uma peça criada a partir de disparos reais de uma arma, com marcas alinhadas que testemunham o acto e a precisão de quem os realizou. Junto desta peça encontra-se uma vitrine onde o artista dispõe vários objectos, «Medida do Olhar», onde são feitas novas referências ao fotográfico, neste caso num âmbito mais científico – miras fotográficas, escalas de cinzento, referências à importância da fotografia na experimentação, nomeadamente na Física, onde a Balística é uma das áreas de estudo.
O nome da exposição poderá estar relacionado com o campo da Balística, estudo científico sobre o movimento de projécteis, que nos diz que a trajectória de uma bala é determinada por arcos-tangente, quando relativa à fonte do disparo. O observatório de tangentes relaciona esta arma fotográfica, ou a arma do «sniper», com a sua mira telescópica. No limite, e através desse estudo científico, é possível determinar aproximadamente a posição do observador-predador. Para um caso – o do fotógrafo –, como para o outro – o do «caçador» –, são situações indesejáveis. Valter Ventura refere-se então à fotografia, como essa arte de ver e não ser visto.
Por fim, o artista retira a dualidade a esse contexto criado através da desmontagem desta viagem, confrontando o espectador com o que pensa ter adquirido nesse diálogo. Para tal, usa o vídeo «Fade to Black», uma projecção em dois canais: um representando-se a si mesmo enquanto «disparador» e outro com uma lâmpada, que aparentemente é o alvo das várias tentativas que vai fazendo.
Quando acerta na lâmpada, as imagens do alvo e do artista-caçador desaparecem. E esta é talvez a reflexão maior que surge quando um estrondo enche a sala. Um voltar ao início, ao «big bang» – sem luz é impossível ver ou fotografar o mundo como o vemos pelos nossos olhos ou captá-lo com os dispositivos que temos ao dispôr. PdR
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