Charles & Ray Eames

Charles & Ray Eames

No dia em que inaugurou, recentemente, o novo Museu da Fundação EDP, MAAT, obra ovóide e orgânica, desenhada pela arquitecta britânica Amanda Levete, abriu também as suas portas a importante exposição «O Mundo de Charles and Ray Eames», patente na Central Tejo.

«The World of Charles and Ray Eames» no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (Central 1, 5 Outubro 2016 – 9 Janeiro 2017). Fotografias: Bruno Lopes

A exposição inicia-se com uma fotografia, a preto e branco, expondo o casal Eames, sorridente, em perfeita sintonia com o Natal, ostentando um dos seus modelos ondulantes em contraplacado moldado, em forma de árvore, decorada com efeitos alusivos à quadra. A fotografia, datada de 1944, anuncia, não só, uma intensa colaboração que se viria a estender ao longo de quarto décadas, como também uma vida a dois dedicada à pesquisa de novos materiais, que permitissem o desenvolvimento de objectos mais orgânicos e mais próximos do conforto das pessoas. Ao lado da fotografia encontra-se, exposta, uma carta pessoal de Charles. Um pedido de casamento a Ray. A carta não terá sido  colocada por acaso, alias, não é a única, muitas outras poderão ser vistas esparsas ao longo da exposição, destacando o discurso que definiu sempre o trabalho dos dois: o design pode ser, também, um exercício humano, de memória e nostalgia.

A exposição, evoca a energia do casal, que fez muito mais do que era esperado habitualmente dos designers: mudaram o modo como as pessoas olhavam os objectos, encorajando-as a novas percepções. Aliciando-as a agruparem e a classificarem, esses mesmos objectos, em novas categorias.

«The World of Charles and Ray Eames» no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (Central 1, 5 Outubro 2016 – 9 Janeiro 2017). Fotografias: Bruno Lopes

Eames Demetrios, neto de Charles Eames, presente na inauguração da exposição, em conversa à Wrong Wrong, afirmou que o casal era mais do que uma dupla clássica de designers: «Na realidade, Ray and Charles Eames, eram multidisciplinares. Não só eram bons designers, como conseguiam atingir um nível de qualidade em quaisquer outra das áreas. Fossem documentários, fossem registos em fotografia» (geralmente slides), fossem exercícios em design gráfico, ou até esculturas – «Os níveis de qualidade atingidos eram sempre muito altos». Depois, disse ainda Demetrios, «as suas escolhas não se limitavam apenas às formas minimalistas provenientes do design moderno. O casal Ray and Charles interessava-se pelas formas da arte popular. Recolhendo objectos oriundos de todos os cantos do mundo» .

«The World of Charles and Ray Eames» no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (Central 1, 5 Outubro 2016 – 9 Janeiro 2017). Fotografias: Bruno Lopes

A primeira sala apresenta as várias experiências em contraplacado moldado que o casal Eames desenvolveu entre 1941 e 1946. Nesse período, a dupla começou por colaborar para a Marinha americana. Na exposição podem ver-se pendurados vários modelos de talas, em mogno e pinho, concebidas para serem usadas pelos soldados, em situação de acidente. Algumas parecem ser verdadeiras esculturas modernistas, aludindo a formas de Brancusi, de cor negra. Na realidade, embora belos, tratavam-se de exercícios sérios, de produção em massa, em que o próprio casal teve que se aconselhar junto de especialistas, como um médico, seu amigo (que deu várias instruções no sentido de certos detalhes, como a higienização, o conforto e transporte dos pacientes).
Com o aumento das encomendas, o casal Eames, foi forçado a expandir a sua equipa de colaboradores, tendo ingressado, no grupo, o importante Harry Bertoia e o gráfico Herbert Matter.
Durante este período de contrato militar, Charles e Ray aproveitaram a maquinaria avançada para produzir estruturas complexas, como as usadas para desenvolver partes de aeronaves. As mesmas foram expostas, em 1944, no Museu MoMA, em Nova Iorque. Tendo as peças adquirido, num diferente contexto expositivo, uma aparência de obra de arte, escultórica e abstracta.
A experiência que ganharam com a produção em massa, de talas, e consequentemente a exploração das formas, em grande formato, oblongas, usadas para a produção de partes de aeronaves, permitiram, posteriormente, avançar em direcção  a outros objectos, como invólucros para rádios e cadeiras, em contraplacado moldado e metal.

«The World of Charles and Ray Eames» no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (Central 1, 5 Outubro 2016 – 9 Janeiro 2017). Fotografias: Bruno Lopes

Em 1945, o casal desenvolveu várias peças de mobiliário para crianças, como cadeiras, mesas, bancos, e formas de animais. As mesas, desenvolvidas especialmente para a Evans Products Company, evocam uma mesa criada, onze anos antes, por Marcel Breuer. Também em contraplacado moldado, estas peças para crianças, especialmente as cadeiras, são concebidas em duas lâminas de madeira, moldadas, uma para o acento e pernas, e outra para o espaldar.
A sala, composta pelos vários exemplos de peças em contraplacado, ostenta  também o exemplo do elefante, que na sua base, ondulada, apresenta a semelhança morfológica com as já descritas cadeiras para crianças. Acrescentando, depois a cabeça e as orelhas.

O discurso do design de então excluía dos objectos o não funcional, o lúdico, a nostalgia, o afecto, a cor, a textura. Ao longo da exposição podemos ver por parte do casal Eames um intenso esforço no sentido de uma celebração dos objectos do quotidiano, da arte primitiva das tradições populares. Também muito importante, as expressões de identidade e transformação podem ver-se em diferentes objectos como em «Toy», que poderiam ser jogados tanto por adultos como por crianças. As peças que compunham o jogo «Toy» (um kit), eram peças modulares de triângulos e quadrados, que tanto poderiam aparecer a compor um espaço construído por uma criança, no seu quarto, como poderiam servir de painel numa cerimónia formal de chá, para adultos.

«The World of Charles and Ray Eames» no MAAT – Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (Central 1, 5 Outubro 2016 – 9 Janeiro 2017). Fotografias: Bruno Lopes

Essas e outras peças estão presentes na exposição. Denunciam as preocupações estéticas do casal: a adição, a justaposição, o factor extra da surpresa. O jogo «House of Cards», enfatiza essa justaposição e evidencia o gosto do casal pela imagética cientifica. O mais importante é perceber, em toda a exposição, a celebração do que é decorativo, numa época em que não se aceitavam elementos que não fossem os associados ao bom design. Bom design queria dizer o design funcional universal, em contraste com o design que dava ênfase ao local, ao vernáculo. Esse gosto pelo popular, pelo vernáculo deve-o o casal também à arte popular mexicana e a Girard. Carla Carbone

The Form of Form

The Form of Form

Apesar de no passado dia 5 de Outubro todas as atenções se terem focado na inauguração do MAAT, a data também marcou o arranque da programação de um dos eventos culturais que se tem afirmado com mais consistência no panorama português, contribuindo para a projecção internacional do país, precisamente através de uma das áreas em que os portugueses mais se destacam além fronteiras. A Trienal de Arquitectura de Lisboa, que celebra este ano a sua 4ª edição, tem curadoria geral  de André Tavares e Diogo Seixas Lopes e subordina-se à temática «The Form of Form».

«A Forma da Forma», curadoria de Diogo Seixas Lopes, MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia. © Pedro Sadio

A semana inaugural terminou ontem e, até ao próximo dia 11 de Dezembro, é possível visitar e assistir a inúmeras propostas (de exposições a debates, passando por lançamento de publicações) que se espalham por diversos pontos da cidade e não só (a secção «Satélite», com sete projectos, ultrapassa delimitações geográficas e chega à Amadora e à Trafaria).

«A Forma Chã», curadoria de Eliana Sousa Santos, Museu Gulbenkian - Colecção Fundador (Galeria do Piso 01). © CC

Da programação destacam-se quatro exposições nucleares:

A Forma da Forma, MAAT Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia
Obra, Fundação Calouste Gulbenkian 
O Mundo nos Nossos Olhos, Garagem Sul, Centro Cultural Belém 
Sines: Logística à Beira-Mar, Sede da Trienal de Lisboa

Para além das referidas exposições e da secção «Satélite» merecem destaque os «Projectos Associados (12) & Sidekicks», bem como as propostas no âmbito da iniciativa «Outra Lisboa» que oferece um conjunto de visitas-guiadas (gratuitas) na área metropolitana da capital.

«The Power of Experiment», curadoria Artéria, Galeria Quadrum. © Rui Pinheiro

Uma concepção programática extensa e ecléctica que permite reflectir sobre o estado da arquitectura contemporânea, atravessando diferentes etapas: do desenho do projecto à sua materialização, passando pelas mudanças que as construções potenciam quer na paisagem quer no modo como os espaços são vivenciados. CC

MAAT Attacks!

MAAT Attacks!

MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, Lisboa. © CC

«Placed on either side of the light», Lawrence Weiner
(inscrição, em calçada portuguesa, na entrada do MAAT)


Lisboa, 5 Outubro de 2016. Precisamente 106 anos depois da implementação da República, em dia de feriado nacional, o MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia abre as suas portas ao público, na zona ribeirinha de Belém, apresentando uma programação gratuita e diversificada (incluindo exposições, espectáculos e actividades educativas) que se prolongará por doze horas: entre as 12h00 e as 24h00 da próxima quarta-feira. A Fundação EDP dá assim a conhecer o projecto arquitectónico, assinado pela britânica Amanda Levete (AL_A), em que investiu cerca de 20 milhões de euros – aproximadamente 0,6 % do investimento total da empresa no período em que o edifício demorou a ser construído (três anos). Só em Março de 2017 se prevê que estejam concluídas algumas intervenções ainda em curso, sendo que a decisão de abrir já ao público se prendeu, de acordo com António Mexia (presidente do Conselho de Administração da EDP), com a vontade de tornar o MAAT desfrutável logo que possível, permitindo assim testar-se o edifício, perceber como é usufruído e quais as dinâmicas que despoleta.

MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, Lisboa. © CC

Na origem da concepção do projecto arquitectónico estiveram reflexões em torno da importância da criação de espaços públicos urbanos que combatam o isolamento, potenciem encontros e, consequentemente, o estabelecimento de diálogos entre as pessoas. Na primeira visita de Amanda Levete ao local, em 2010, ficou claro, a partir da análise da luz de Lisboa (que a fascinou e inspirou), que se trataria de um edifício que assumiria uma forma orgânica, pontuada por linhas curvilíneas, não impositivo e reflexivo face à paisagem circundante, potenciando-a. O espaço exterior expande-se de diferentes formas para o interior, minando as fronteiras entre a esfera do público e do privado. A enorme cobertura destaca-se funcionando como um surpreendente miradouro a baixa altitude que privilegia quer a vista sobre a parte antiga e histórica da cidade, quer sobre o rio e a outra margem. Na construção salienta-se o recurso a materiais e técnicas locais, merecendo destaque a cerâmica e a pedra lioz.

MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, Lisboa. © CC

Da responsabilidade do seu director, Pedro Gadanho, a programação do MAAT assume-se internacional e apostará em ciclos expositivos assentes, sempre que possível, na produção de obras «site-specific», ou seja, concebidas especificamente para o museu através de encomendas, ou adaptadas à sua tipologia. Será privilegiado o estabelecimento de parcerias (em regime de co-produções, por exemplo) com relevantes instituições internacionais do circuito da arte contemporânea, sem descurar uma programação que promova artistas portugueses. Subjacente a toda a selecção autoral está o pressuposto que Gadanho defende de que a arte deve servir, em primeiro lugar, para nos levar a reflectir e dialogar sobre o estado do mundo sendo que, para tal, muitas vezes tem que nos perturbar questionando os alicerces sobre os quais erguemos as nossas convicções que se querem abaláveis. Interessam-lhe «artistas sismógrafos», ou seja, atentos e reflexivos em relação às transformações que se vão operando à sua volta.

Dominique Gonzalez-Foerster, «Pynchon Park», 2016. MAAT, Lisboa. © CC

A programação do museu inicia-se com a instalação «Pynchon Park» (alusão ao escritor Thomas Pynchon), da aclamada artista francesa Dominique Gonzalez-Foerster, que remete para uma espécie de parque temático ou zoo humano no qual o visitante é convidado a entrar, transformando-se simultaneamente em actor e activador da obra de arte. O espectador completa a obra de arte («L'oeuvre ouverte», de Umberco Eco) e, neste caso, metamorfoseia-se numa espécie de primata enjaulado (as entradas e saídas do espaço são controladas por um mecanismo não controlado pelo visitante). Pode também sugerir um tubo de ensaio em que os seres que temporariamente a habitam foram capturados por extraterrestres com o intuito de estudar os seus hábitos comportamentais. A obra, instalada na primeira sala expositiva do MAAT, Galeria Oval (mil metros quadrados) tem associado um carácter lúdico e convida à reflexão (sobre a crueldade e a destruição de que somos capazes), à descompressão (bolas de pilates pontuam o espaço, em alternância com volumes que se assemelham a livros e incitam a que nos sentemos) e à interacção. Hector Zamora será o artista que se seguirá neste espaço. A instalação inaugura a temática que deu origem à programação inicial do MAAT – «Utopia / Distopia» – que corresponde ao título da exposição internacional (com cerca de 50 artistas, incluindo portugueses) que, a partir de Março de 2017, ocupará todo o espaço expositivo. Corresponde também, e originalmente, ao título da obra de Thomas More que celebra, precisamente este ano, 500 anos. A palavra distopia foi usada pela primeira vez em 1870 e só recentemente tem sido trazida para os discursos mediáticos.

MAAT - Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia, Lisboa. © CC

A entrada no interior do MAAT terá provisoriamente o custo de 5 euros (a visita ao espaço exterior será gratuita) e não será cobrada até aos 18 anos. O museu apresenta um horário alargado, encerrando às 20h00, e tem ainda a curiosa particularidade de não ter qualquer tipo de restrições relativamente à captação de imagens. CC

Doclisboa' 16

Doclisboa' 16

O Doclisboa, festival internacional de cinema focado no registo documental, está de regresso, entre os dias 20 e 30 de Outubro, para aquela que será a sua 14ª edição.

«Exile» (Exil), de Rithy Panh, Cambodja, França, 77

Da sua vasta e consolidada programação (este ano com uma nova secção: «Da Terra à Lua»), que se estende pela Culturgest, Cinemateca Portuguesa - Museu do Cinema, Cinema São Jorge e Museu Gulbenkian - Colecção Moderna (com uma instalação de Luciana Fina), constam 259 filmes (curtas e longas metragens) provenientes de 41 países (de Cuba à Suíça, passando pela Argentina e pelo Japão), entre os quais se destacam 46 com assinatura portuguesa (12 em competição) e 44 estreias mundiais.

«A Praia», de Pedro Neves, Portugal, 22

Autores consagrados, como Wang Bing, Avi Mograbi, Werner Herzog, Rithy Panh ou Peter Hutton (este último homenageado nesta edição)  e emergentes (muitos em estreia ou de regresso) permitem reflectir sobre o estado actual do mundo e deste género cinematográfico em particular,  contribuindo para desconstruir o pressuposto de que realidade e imaginação são antagónicas. De resto, como recorda a direcção do Festival, «o cinema é mesmo matéria da imaginação, antes de mais».

«The Sleeping Tiger» (La Siesta del Tigre), de Maximiliano Schonfeld, Argentina, 64

Mas o Doclisboa não são só filmes e prémios (este ano surgiu um novo, patrocinado pela Fundação José Saramago e pela Livraria Lello). São também masterclasses, oficinas, conversas, mesas-redondas e laboratórios, agregados numa programação paralela diversificada que não descurou a existência de um serviço educativo, e que conta ainda, todas as noites, com festas temáticas a decorrer no Palácio do Príncipe Real.

«Oleg and the Rare Arts» (Oleg y las raras artes), de Andrés Duque, Espanha, 70

Os bilhetes encontram-se à venda a partir de dia 29 de Setembro e o difícil será mesmo escolher. CC

«Francofonia» de Sokurov

«Francofonia» de Sokurov

Em «Francofonia», o seu filme mais recente, Aleksandr Sokurov aborda o período mais conturbado do Museu do Louvre: a ocupação nazi de Paris. Através de imagens de época e registos ficcionados, o filme lembra as medidas de excepção tomadas pelo próprio museu em vésperas da invasão, e o complexo papel do director do Louvre Jacques Jaujard e do funcionário alemão Franz Metternich no destino do espólio histórico e cultural sob a sua responsabilidade.

Entre as incertezas da capitulação francesa, o museu é revisitado pelos fantasmas da sua história imperial e republicana, e das suas essenciais contradições: Marianne, a mulher alegórica da República, contrapõe ao discurso imperialista de Napoleão (que frente às obras de arte repete «Isto sou eu») os valores universalistas «Liberdade, Igualdade e Fraternidade».

Sokurov, que em «A Arca Russa» (2002) reencenara a história e o destino da Rússia no Hermitage, volta a dar voz ao passado, mostrando como o Louvre sobreviveu a revoluções,  invasões e ocupações, com a ocultação e deslocação das suas obras, construindo sempre um paralelismo entre a história do museu e a história política e cultural europeia. Os temas do retrato na cultura ocidental, do museu como instrumento de poder, da museologia como questão de identidade, da sua necessidade de preservação dos valores que detém e representa, perante ameaças sempre renovadas, atravessam o filme como questões implícitas, traduzidas na dimensão simbólica e na realidade visual do seu acervo.

«Francofonia» demora o olhar na Antiguidade (a «Vitória de Samotrácia», o património assírio) ou na época Moderna (a «Jangada da Medusa»), aflorando uma continuidade sempre em construção. E as sequências iniciais do filme, com o hipotético transporte do espólio de um museu em contentores no alto mar, sob o perigo iminente de naufrágio, têm a força alegórica perturbante da precariedade em que, no fim de contas, decorre a existência de qualquer museu. SVJ