Charles & Ray Eames
No dia em que inaugurou, recentemente, o novo Museu da Fundação EDP, MAAT, obra ovóide e orgânica, desenhada pela arquitecta britânica Amanda Levete, abriu também as suas portas a importante exposição «O Mundo de Charles and Ray Eames», patente na Central Tejo.
A exposição inicia-se com uma fotografia, a preto e branco, expondo o casal Eames, sorridente, em perfeita sintonia com o Natal, ostentando um dos seus modelos ondulantes em contraplacado moldado, em forma de árvore, decorada com efeitos alusivos à quadra. A fotografia, datada de 1944, anuncia, não só, uma intensa colaboração que se viria a estender ao longo de quarto décadas, como também uma vida a dois dedicada à pesquisa de novos materiais, que permitissem o desenvolvimento de objectos mais orgânicos e mais próximos do conforto das pessoas. Ao lado da fotografia encontra-se, exposta, uma carta pessoal de Charles. Um pedido de casamento a Ray. A carta não terá sido colocada por acaso, alias, não é a única, muitas outras poderão ser vistas esparsas ao longo da exposição, destacando o discurso que definiu sempre o trabalho dos dois: o design pode ser, também, um exercício humano, de memória e nostalgia.
A exposição, evoca a energia do casal, que fez muito mais do que era esperado habitualmente dos designers: mudaram o modo como as pessoas olhavam os objectos, encorajando-as a novas percepções. Aliciando-as a agruparem e a classificarem, esses mesmos objectos, em novas categorias.
Eames Demetrios, neto de Charles Eames, presente na inauguração da exposição, em conversa à Wrong Wrong, afirmou que o casal era mais do que uma dupla clássica de designers: «Na realidade, Ray and Charles Eames, eram multidisciplinares. Não só eram bons designers, como conseguiam atingir um nível de qualidade em quaisquer outra das áreas. Fossem documentários, fossem registos em fotografia» (geralmente slides), fossem exercícios em design gráfico, ou até esculturas – «Os níveis de qualidade atingidos eram sempre muito altos». Depois, disse ainda Demetrios, «as suas escolhas não se limitavam apenas às formas minimalistas provenientes do design moderno. O casal Ray and Charles interessava-se pelas formas da arte popular. Recolhendo objectos oriundos de todos os cantos do mundo» .
A primeira sala apresenta as várias experiências em contraplacado moldado que o casal Eames desenvolveu entre 1941 e 1946. Nesse período, a dupla começou por colaborar para a Marinha americana. Na exposição podem ver-se pendurados vários modelos de talas, em mogno e pinho, concebidas para serem usadas pelos soldados, em situação de acidente. Algumas parecem ser verdadeiras esculturas modernistas, aludindo a formas de Brancusi, de cor negra. Na realidade, embora belos, tratavam-se de exercícios sérios, de produção em massa, em que o próprio casal teve que se aconselhar junto de especialistas, como um médico, seu amigo (que deu várias instruções no sentido de certos detalhes, como a higienização, o conforto e transporte dos pacientes).
Com o aumento das encomendas, o casal Eames, foi forçado a expandir a sua equipa de colaboradores, tendo ingressado, no grupo, o importante Harry Bertoia e o gráfico Herbert Matter.
Durante este período de contrato militar, Charles e Ray aproveitaram a maquinaria avançada para produzir estruturas complexas, como as usadas para desenvolver partes de aeronaves. As mesmas foram expostas, em 1944, no Museu MoMA, em Nova Iorque. Tendo as peças adquirido, num diferente contexto expositivo, uma aparência de obra de arte, escultórica e abstracta.
A experiência que ganharam com a produção em massa, de talas, e consequentemente a exploração das formas, em grande formato, oblongas, usadas para a produção de partes de aeronaves, permitiram, posteriormente, avançar em direcção a outros objectos, como invólucros para rádios e cadeiras, em contraplacado moldado e metal.
Em 1945, o casal desenvolveu várias peças de mobiliário para crianças, como cadeiras, mesas, bancos, e formas de animais. As mesas, desenvolvidas especialmente para a Evans Products Company, evocam uma mesa criada, onze anos antes, por Marcel Breuer. Também em contraplacado moldado, estas peças para crianças, especialmente as cadeiras, são concebidas em duas lâminas de madeira, moldadas, uma para o acento e pernas, e outra para o espaldar.
A sala, composta pelos vários exemplos de peças em contraplacado, ostenta também o exemplo do elefante, que na sua base, ondulada, apresenta a semelhança morfológica com as já descritas cadeiras para crianças. Acrescentando, depois a cabeça e as orelhas.
O discurso do design de então excluía dos objectos o não funcional, o lúdico, a nostalgia, o afecto, a cor, a textura. Ao longo da exposição podemos ver por parte do casal Eames um intenso esforço no sentido de uma celebração dos objectos do quotidiano, da arte primitiva das tradições populares. Também muito importante, as expressões de identidade e transformação podem ver-se em diferentes objectos como em «Toy», que poderiam ser jogados tanto por adultos como por crianças. As peças que compunham o jogo «Toy» (um kit), eram peças modulares de triângulos e quadrados, que tanto poderiam aparecer a compor um espaço construído por uma criança, no seu quarto, como poderiam servir de painel numa cerimónia formal de chá, para adultos.
Essas e outras peças estão presentes na exposição. Denunciam as preocupações estéticas do casal: a adição, a justaposição, o factor extra da surpresa. O jogo «House of Cards», enfatiza essa justaposição e evidencia o gosto do casal pela imagética cientifica. O mais importante é perceber, em toda a exposição, a celebração do que é decorativo, numa época em que não se aceitavam elementos que não fossem os associados ao bom design. Bom design queria dizer o design funcional universal, em contraste com o design que dava ênfase ao local, ao vernáculo. Esse gosto pelo popular, pelo vernáculo deve-o o casal também à arte popular mexicana e a Girard. Carla Carbone