Miguel Palma na Zaratan
Era à volta de um cepo velho, com um martelo e uns pregos, que a avó de Miguel Palma (1964, Lisboa) conseguia que ele ficasse entretido horas a fio. Essa memória da infância, que ficou registada no imaginário do artista, foi repescada para a exposição que inaugura no próximo dia 28 de Maio na Zaratan — Arte Contemporânea intitulada, precisamente, «Cepo». Um cepo como ponto de partida, um cepo como bancada de trabalho, um regresso às origens com reminiscências do trabalho artesanal. Foi sobre um cepo que Miguel Palma martelou latas de óleo de motor de carro que colecciona desde a década de 60. Convertidas em folhas, depois de esmagadas e planificadas, assumem agora o formato de quadros exibidos nas paredes do espaço. A mostra terá uma componente performativa associada, com o artista, à porta da Zarantan, no dia da inauguração, a concluir alguns dos trabalhos que, quando as portas abrirem, serão exibidos conjuntamente com um vídeo que terá documentado a iniciativa. Denúncia e reflexão sobre o consumo desenfreado de combustíveis fósseis, e sobre as suas consequências ecológicas, a mostra evoca, ainda, o culto do automóvel e da velocidade, irrefutáveis marcas autorais de Palma.
Até 27 de Junho no espaço que, inaugurado em Novembro de 2014, se distingue no panorama nacional por um conjunto de especificidades que fazem deste projecto um caso ímpar. Desde logo por ser gerido por dois artistas — José Chaves (1982, Lisboa) e Gemma Noris (1986, Itália) — que a constituíram como associação cultural sem fins lucrativos. O projecto surge como reacção crítica e combativa face à organização hierárquica e vertical do mundo da arte. Aposta num modelo organizacional que privilegia a ideia de colectivo e de horizontalidade — artistas, curadores, galeristas, coleccionadores e críticos são encarados como parceiros num jogo de interesses partilhados e, por isso, a convicção é de que devem colaborar, sem assumirem posições de destaque ou liderança. Lugar de contemporaneidade, de encontro para o pensamento crítico e para a experimentação artística interdisciplinar, a Zaratan (que foi buscar o nome a uma figura lendária, um mostro marinho gigante que pode funcionar como ilha / porto seguro) promove, em parceria, outras iniciativas que passam por concertos de música experimental ou pelo lançamento de publicações, como acontecerá no próximo dia 5 de Junho com o novo livro de artista de António Olaio, «Yellow Birds in the Shade», editado pela Stolen Books com apresentação de João Silvério e Luís Alegre. CC