A meio de qualquer coisa

A meio de qualquer coisa

Nuno Ramalho assina a curadoria da exposição «A meio de qualquer coisa» na Galeria Graça Brandão, em Lisboa.
Artista com trabalho em diferentes «media», como o desenho, instalação, escultura, mas também curador de outros projectos, sobretudo realizados no espaço Uma Certa Falta de Coerência, no Porto, Ramalho organiza agora a primeira exposição num espaço galerístico em Lisboa. A mostra reúne o trabalho de 8 artistas em início do seu percurso artístico, maioritariamente ex-estudantes da Faculdade de Belas Artes do Porto. São eles Catarina Real, Diana Carvalho, a dupla Felícia Teixeira e João Brojo, Frederico Brízida, João Gabriel Pereira, Paulo Osório, Pedro Huet.

Diana Carvalho, da série « Ruína», 2016. Tinta plástica e tinta da china sobre papel. 144 x 96 cm (cada). © António Jorge Silva

Desde logo, a mostra motiva curiosidade por ser realizada por um artista que na sua prática assume projectos curatoriais e também por reunir um grupo de criadores mais jovens ou menos conhecidos do circuito expositivo, o que contribui para o factor surpresa e para a salutar imprevisibilidade da proposta.

Vista da exposição «A meio de qualquer coisa», Galeria Graça Brandão, 2016. © António Jorge Silva

A montagem da exposição parte de uma questão proposta por Nuno Ramalho aos artistas.
«Como imaginam o mundo dentro de 10 anos?» foi o mote curatorial, o ponto de partida reflexivo suficientemente amplo para respeitar várias abordagens e direcções diferentes seguidas pelos artistas participantes.

Catarina Real, da série «Sentido (coreografia)», 2015-2016. Guache sobre papel. Dimensões variáveis. © António Jorge Silva

A exposição inicia-se com uma eficaz instalação de desenhos de Diana Carvalho e de desenhos de parede de Catarina Real – cuja montagem se estende ao piso inferior. O desenho  e o vídeo têm uma significativa presença na mostra, estando no piso superior um trabalho interessante e bem instalado de Pedro Huet, «walled_3», sobre dispositivos, linguagens e realidades do sujeito contemporâneo, e em baixo uma das peças de Paulo Osório que mostra em «Banco Branco de Ferro» as condições e horizontes de trabalho do artista, num registo vídeo de um diálogo interpretado por três actores em palco, que funciona como projecção de um monólogo interior do artista.

Pedro Huet, «walled_3», 2016. Vídeo HD, cor, som, 32’07’’, loop, estrutura de alumínio e MDF. © António Jorge Silva

No piso inferior, figura o trabalho discreto de Frederico Brízida e a instalação de João Gabriel Pereira, artista que terminou a licenciatura em Artes Plásticas na Escola Superior de Artes e Design – Caldas da Rainha, em 2013, que aqui apresenta trabalhos de pequeno formato de diferentes dimensões, realizados a acrílico sobre papel, com motivos abstractos, mas sobretudo marcados pela presença da figura humana e pelo tema da sexualidade. Este trabalho, pela energia expressiva e pelo efeito de disposição do conjunto dos acrílicos, é sem dúvida o mais consistente e forte da exposição.

João Gabriel Pereira, «Sem Título», 2016. Acrílico sobre papel. Dimensões variáveis. © António Jorge Silva

Felícia Teixeira e João Brojo, que expõe individualmente desde 2007, em dupla desde 2013, mostram três trabalhos da série «O Melhor é Passar Aqui na Segunda-feira»: uma peça mural, uma publicação e uma instalação escultórica baseada num tipo de sinalética agora comum nas lojas de conveniência, onde se lê o aviso “Open”, cuja ideia parte da relação com o espaço circundante da galeria e da experiência dos artistas com a comunidade envolvente, com os serviços existentes e com experiências de (in)comunicação com a vizinhança.

Vista da exposição «A meio de qualquer coisa», Galeria Graça Brandão, 2016. © António Jorge Silva

No texto de apresentação desta colectiva, Nuno Ramalho assume desde logo que a exposição é “uma forma não coreográfica”, deixando margem a que os autores prossigam livremente e naturalmente as temáticas e as linhas de trabalho que lhes são mais características. Contudo, a questão da identidade no sentido lato surge ainda assim como presença transversal e desdobrada em quase todos os trabalhos: a identidade do sujeito, do artista, de uma geração, do tempo contemporâneo, dos comportamentos, da vida privada, social... Na Galeria Graça Brandão até 30 de Abril. SVJ

Marcel Broodthaers – Écriture

Marcel Broodthaers – Écriture

A 14 de Fevereiro, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque abriu a primeira retrospectiva de Broodthaers no país. A exposição «Marcel Broodthaers: A Retrospective» reúne as obras seminais realizadas pelo artista ao longo da sua trajectória, que foi curta mas que teve enorme influência para as futuras gerações de artistas. A mostra seguirá depois para o Museu Nacional Centro de Arte Reina Sofía, em Madrid, em Outubro de 2016, e para a Kunstsammlung Nordrhein-Westfalen, em Düsseldorf, em 2017.

Vista da exposição «Marcel Broodthaers: A Retrospective». The Museum of Modern Art, New York, Fevereiro 14–Maio 15, 2016. © 2016 The Museum of Modern Art. Fotografia: Martin Seck

Ao mesmo tempo a Michael Werner Gallery apresenta a exposição «Marcel Broodthaers: Écriture», exposição confere uma atenção especial à importância da escrita na obra complexa e diversificada de Broodthaers.

Marcel Broodthaers, «Parle Ecrit Copie», 1972-1973

Nascido em Bruxelas em 1924,  Broodthaers começou a escrever poesia muito cedo e publicou seus primeiros poemas em 1945 e em 1947 no contexto do surrealismo belga. Broodthaers continuou a escrever, durante quase duas décadas antes de voltar-se para as artes visuais em 1964.

Marcel Broodthaers, «Pense-Bête» (Memory aid), 1964. Collection Flemish Community, long-term loan S.M.A.K. © 2016 Estate of Marcel Broodthaers / Artists Rights Society (ARS), New York / SABAM, Brussels

«Pense-Bête», é a primeira obra de arte de Broodthaers, uma escultura profundamente simbólica que compreende numerosos volumes não vendidos de poemas do artista embutidos num montículo de gesso. Um gesto dramático da complexidade conceitual e contenção material, esta obra contém os conceitos artísticos essenciais que iria conduzir todo o trabalho subsequente Broodthaers como artista visual.

Marcel Broodthaers, «Un Coup de dés jamais n’abolira le hasard», 1969. The Museum of Modern Art, New York. © 2015 Estate of Marcel Broodthaers / Artists Rights Society (ARS), New York / SABAM, Brussels

Escrever, tanto como um gesto físico e como uma actividade conceptual, foi uma característica elementar da sensibilidade do artista. Broodthaers inventou continuamente novas maneiras de dar forma à linguagem, trabalhando em diversos meios — poesia, escultura, pintura, livro de artista e filme. WW

Apenas quando as cigarras partirem

Apenas quando as cigarras partirem

Patente no Atelier Concorde até 19 de Março de 2016, a exposição de Patrícia Pinheiro de Sousa, «Apenas quando as cigarras partirem», reúne vários trabalhos em diferentes meios (vídeo, impressão sobre papel, fotografia, texto, encadernação), formalizando desta forma uma fragmentação intrínseca a cada um deles e que, contudo, os relaciona através de uma instalação narrativa.

O título da exposição reforça uma existência resistente e entrópica de um imaginário nórdico: o de um povo que se deixa ficar; indolente; ao mesmo tempo livre mas que não altera a sua condição, apenas se movendo no final de um dia quente de Verão.
Um Verão, que nos nossos dias faz igualmente parte do imaginário de muitos portugueses, que tal como a artista vivem fora de Portugal.

Neste Portugal de antíteses e contradições, onde ora se fala inglês, ora se fala português, o «Sul» – tema condutor e agregador desta exposição –, surge assim como uma paisagem tímida e ficcionada evocando pequenas histórias soltas de lugares perdidos de Portugal, com detalhes que escapam às notícias dos meios de comunicação, aproximando-as de relatos soltos de um quotidiano imaginário.

Contrastando com este lado ficcionado transmitido sobretudo pelo vídeo e por uma parte da instalação, encontra-se um fragmento de uma carta militar, isolado. O mapa representa o «real». De facto este «país-ficção» existe.
Ao mesmo tempo, a sua cor azul-céu desloca o espectador para um mapa estelar – um lugar para além das estrelas, confrontando-o sobre a veracidade da sua existência.
O «Sul» existirá de facto?

A dúvida ou melhor, as várias verdades, são exercitadas noutra peça, também parte da instalação. A artista coloca novamente o espectador em confronto com a informação que produz: uma imagem que não se vê, mas que se adivinha, é descrita por alguns textos que apontam vários pontos de vista dessa mesma imagem.
A leitura dos diferentes «testemunhos», aparentemente narrados por pessoas diferentes, é contraditória, questionando a veracidade do facto em si ou dos próprios narradores. Dúvida esta que, dado que a imagem se encontra escondida do espectador, torna-a ainda mais ficcional.
«Apenas quando as cigarras partirem» cria um espaço poético, fictício e suficientemente distante para nos fazer pensar sobre o nosso «Sul». PdR

Daido Tokyo

Daido Tokyo

«Daido Tokyo» é a visualização que o fotógrafo Daido Moriyama concebeu da capital japonesa, e que agora apresenta na Fondation Cartier. São imagens que continuam a investigação que o fotógrafo de 77 anos, nascido em Osaka, vem efectuando desde os anos 60 sobre a sociedade do seu país, em rápida mudança, e os seus diálogos por vezes paradoxais com a história e a tradição.   

Daido Moriyama, « Tokyo Color», 2008-2015. Impressão cromogénica, 111,5 x 149 cm. Cortesia do artista / Daido Moriyama Photo Foundation

Nesta série, realizada entre 2008 e 2015, o olhar de Moriyama trabalha a cor incutindo-lhe notas sombrias, por vezes angustiantes, em flagrantes que captam igualmente o movimento e a passagem do quotidiano e o estático dos vestígios discretos e pormenores banais da paisagem. A sublimação da normalidade comum desses elementos, num todo de pura reconstrução da cidade pelo olhar pessoal, permite aproximar esta série de Moriyama à abordagem do espaço urbano que o cineasta Yasujiro Ozu consagrou. Como parte da actualização permanente desse movimento que sempre impulsionou a obra dos dois artistas.

Daido Moriyama, « Tokyo Color», 2008-2015. Impressão cromogénica, 111,5 x 149 cm. Cortesia do artista / Daido Moriyama Photo Foundation

Essa sugestão é reforçada pela atenuação das características visuais mais reconhecíveis de Moriyama, o grão e o desfoque das imagens, cuja agressividade marca a sua exposição anterior («Daido Moriyama. In Color», que transitou da Galleria Carla Sozzani em Milão para Modena, na Foro Boario, onde prosseguirá até Maio), de acordo com uma vivência da cor que o artista define como aquilo que encontra «sem quaisquer filtros», instantes que gosta de registar pelo modo como lhe parecem. O seu trabalho a cores «é educado e delicado, como me apresento ao mundo», explica Moriyama, atribuindo ao preto-e-branco que o celebrizou a expressão da sua subjectividade e solidão.

Daido Moriyama, «Dog and Mesh Tights», 2014-2015. Diaporama de 291 fotografias a preto-e-branco, 25 min.

O preto-e-branco está presente em «Daido Tokyo», mas como um trabalho à parte, encomenda da Fundação Cartier. Intitulado «Dog and Mesh Tights», é uma projecção de fotografias urbanas, que sonda as áreas mais despercebidas da cidade, aquelas que, recônditas e raramente percorridas, não têm lugar na sua azáfama. Durante 9 meses, Moriyama, que reside em Shinjuku, o mais movimentado dos bairros-cidades de Tóquio, estendeu a captura das suas imagens a Hong Kong, Taipé, Arles, Houston e  Los Angeles. «Daido Tokyo», comissariada por Hervé Chandès e Alexis Fabry, pode ser vista até 5 de Junho. WW

De Andrea Fraser a Steve McQueen

De Andrea Fraser a Steve McQueen

De 26 de Fevereiro a 14 de Maio de 2016, o Whitney Museum of American Art apresentará «Open Plan», um ciclo expositivo experimental formado por cinco exposições que têm lugar na sala ampla do quinto piso do museu, com janelas viradas para a cidade e para o rio Hudson.
Andrea Fraser é a artista que inaugura o ciclo, com o trabalho «Down the River», um projecto «site-specific» que apresenta registos sonoros gravados numa instituição prisional, Sing Sing, uma das maiores prisões de alta segurança do mundo, situada na cidade de Ossining, a trinta e duas milhas a norte dali, também nas margens do rio Hudson. Com um percurso artístico associado à crítica institucional, neste projecto Andrea Fraser pretende estabelecer uma ponte entre os museus e os estabelecimentos prisionais, instituições que nos Estados Unidos tiveram um crescimento paralelo e exponencial, triplicando desde os anos 70. Neste período, a artista refere no texto de nota de imprensa que o público dos museus foi multiplicado por dez e e a população prisional cresceu 700%. Apesar deste paralelismo de crescimento das instituições museológicas e prisionais, Fraser sublinha as diferenças: a associação dos museus à liberdade e a natureza punitiva da transgressão das prisões, a centralidade e renome da arquitectura dos museus e a marginalidade e invisibilidade dos edifícios prisionais.

Fotografia de Nic Lehoux, 2015. Cortesia: Whitney Museum of American Art, Nova Iorque

Não obstante as diferenças existentes entre os museus e as prisões, Fraser considera que podem estes dois lados da mesma moeda, sobretudo quando falamos de uma «sociedade cada vez mais polarizada, onde as nossas vidas públicas e as instituições que as definem estão fortemente marcadas por divisões raciais, sociais e geográficas.» Ao trazer o som ambiente prisional para o interior do museu a artista quer contrariar o fosso que separa estas fracturas e as diferenças entre as duas instituições.

Michael Heizer, «Actual Size: Munich Rotary», 1970. Cortesia: Whitney Museum of American Art, Nova Iorque. Fotografia: © Museum Associates/ LACMA, CA

A exposição de Andrea Fraser permanece no Whitney Museum até 13 de Março. Depois dessa data o ciclo «Open Plan» continua com os projectos de Lucy Dodd (17-20 Março), Michael Heizer (25 de Março a 10 de Abril), Cecil Taylor (15 a 24 de Abril) e Steve McQueen (29 de Abril a 14 de Maio). SVJ

Lucy Dodd, «Wuv Shack». Vista da instalação na David Lewis Gallery, 2015. Cortesia da artista e David Lewis Gallery, Nova Iorque. Fotografia: Jenny Kim