Present Continuous de Omer Fast

Present Continuous de Omer Fast

Omer Fast explora novos formatos narrativos, partindo da complexidade do processo de formação de memórias e de histórias e da fluidez de fronteiras entre realidade e representação, entre original e cópia. A linguagem, o discurso, os códigos de narração, a disseminação de imagens e a circulação mediática são igualmente aspectos tratados na obra deste artista nascido em Jerusalém em 1972, que passou a sua adolescência em Nova Iorque e que vive hoje em Berlim.

Omer Fast, «CNN Concatenated [CNN-Enchaînement]», 2002. Vídeo, cor, som, 18 min.

Na sua exposição «Present Continuous», inicialmente apresentada no Jeu de Paume e prestes a inaugurar no BALTIC Centre for Contemporary Art, em Março, mostram-se alguns dos principais vídeos da sua trajectória. Do conjunto de trabalhos faz parte «CNN Concatenated [CNN-Enchaînement]» (2002), uma das primeiras peças de Omer Fast. Trata-se de um vídeo realizado após o 11 de Setembro, entre 2001 e 2002, a partir da montagem de centenas de horas de gravação de emissões noticiosas da estação de televisão norte-americana CNN, que se traduz em 18 minutos de fragmentos de 10 000 palavras proferidas por cada um dos apresentadores, comentadores e convidados, tendo como resultado sete monólogos compostos pela concatenação de discursos que visam enfatizar o paradoxal carácter subjectivo do registo e desencadear reacções emocionais nos espectadores.

Omer Fast, «5,000 Feet is the Best», 2011. Vídeo, cor, som, 30 min.

Pelas suas características e temas tratados, o vídeo «5,000 Feet is the Best» (2011), mostra também a forma como Omer Fast foi construindo a sua obra em torno do presente e de questões históricas, de natureza política e geopolítica, que afectam simultaneamente o indivíduo e o colectivo. Realizada 11 anos depois, esta peça de 30 minutos baseia-se em entrevistas realizadas a um ex-operador de drones num hotel em Las Vegas em 2010, que conta de forma detalhada a sua experiência em operar à distância drones contra alvos no Afeganistão e no Paquistão, referindo-se aos efeitos colaterais, como a morte de civis ou as consequências psicológicas daí decorrentes. O terrorismo, a guerra virtual, a longa distância, surgem assim como ponto de partida de muitos dos seus projectos que abordam a experiência do mundo mediatizada pelas tecnologias da imagem através de diferentes meios e perspectivas. SVJ

Me – Vernacular Photography

Me – Vernacular Photography

A galeria Sorry We’re Closed, em Bruxelas, organizou a primeira exposição de Thierry Struvay, um coleccionador de fotografia que escolhe as suas aquisições nas feiras da ladra e nos antiquários. Struvay, que vive e trabalha em Bruxelas, procura entre as fotografias anónimas a qualidade especial que as distingue da banalidade.

Há mais de trinta anos que ele prospecta imagens, e quando começou praticamente ninguém dava valor àqueles objectos. Por vezes os vendedores cediam-lhe caixas de fotos que de outra forma iriam deitar ao lixo. Revistas e museus chegavam a destruir os seus próprios arquivos.

Em Nova Iorque, onde viveu quatro anos, deparou-se com um mercado de fotografias descartadas permanentemente fornecido pelo frenesim do modo de vida norte-americano. Cada mudança geográfica, cada solavanco económico, lançam para a rua colecções particulares, em álbuns, em caixas de sapatos, no interior de móveis... Foi com base nesse acervo mais recente, de mais de oito mil fotos, que Struvay seleccionou as peças a expor, e um livro que acompanha a mostra.

A exposição, intitulada «Me – Vernacular Photography – New York 2011-2014», retira do esquecimento 116 instantes únicos, ou tornados únicos pela ausência de um contexto: longe do proprietário e das suas relações, cada fotografia chega ao comércio com uma história perdida, e um sem número de reconstituições possíveis da sua génese.

Ao mesmo tempo, trata-se de imagens reveladoras de um contexto mais geral, o da sociedade e cultura que, em diferentes épocas, são retratadas e tornam possível esse retrato. Para ver até 26 de Março na Sorry We’re Closed. WW

John Akomfrah

John Akomfrah

O cineasta e artista inglês de origem ganesa John Akomfrah principiou o ano com duas exposições, em Londres e Bristol. As tensões decorrentes do fluxo incessante de refugiados dos vários conflitos e crises humanitárias no Médio Oriente e África, assim como a actualidade das questões identitárias no velho continente e nas suas comunidades mais recentes foram a motivação dos seus trabalhos agora patentes.

John Akomfrah, «The Airport», 2016. Instalação vídeo HD, três canais, cor, som, 52 minutos. © Smoking Dogs Films

Em Londres, na Lisson Gallery, o artista exibe três filmes em instalações de vídeo. O tríptico «The Airport» (52') relaciona a obra e os estilos visuais de Stanley Kubrick e Theo Angelopoulos, cruzando narrativas para reflectir sobre a permanência no imaginário colectivo da ideia de império e das migrações decorrentes, e confrontando esses temas ao cenário deprimido da Grécia actual.

John Akomfrah, «The Airport», 2016. Still. Instalação vídeo HD, três canais, cor, som, 52 minutos. © Smoking Dogs Films

Filmado em Barbados, o díptico «Auto da Fé» evoca as migrações provocadas pela perseguição religiosa, da fuga no século XVII dos judeus sefarditas do Brasil para as Índias Ocidentais (episódio inspirado no documentário «The Stuart Hall Project» (2013) onde o teórico cultural Stuart Hall afirma a sua ascendência judaico-portuguesa) aos êxodos actuais das populações de Hombori (Mali) e Mossul (Iraque).

John Akomfrah, «Tropikos», 2016. Still. Vídeo HD, cor, som, 36 minutos 41 segundos. © Smoking Dogs Films

Já «Tropikos» (37') retira motivos d’«A Tempestade», de Shakespeare, e utiliza relatos de navegadores na recriação de um porto de comércio e exploração colonial no Rio Tamar, entre Devon e a Cornualha, cuja actividade no século XVI marca o início da exploração britânica do continente africano. A exposição inclui fotografias de grande formato relativas aos três filmes, todos com data de produção do presente ano, e poderá ser visitada até 12 de Março.

John Akomfrah, «Vertigo Sea», 2015. Still. © Smoking Dogs Films

Em Bristol, na Arnolfini, Akomfrah apresenta o tríptico «Vertigo Sea», estreado na Bienal de Veneza em Maio passado, como parte da exposição «All the World’s Futures» de Okwui Enwezor. Inspirado em «Moby Dick» de Melville, e no poema épico «Whale Nation», de Heathcote Williams, o filme de 48' é uma indagação sobre a crueldade, do tráfico de escravos à caça de baleias e ursos polares.

John Akomfrah, «Vertigo Sea», 2015. Still. © Smoking Dogs Films

«Vertigo Sea» tem o mar como protagonista – pretexto e pano de fundo do drama incessante da migração humana, exploração económica e depredação da natureza, actualizado pela narrativa na primeira pessoa de imigrantes nigerianos que sobreviveram à travessia ilegal do Mediterrâneo.

John Akomfrah, «Vertigo Sea», 2015. Vista do tríptico. © Smoking Dogs Films

«Agimos como se a crise actual dos refugiados fosse um incidente isolado», nota Akomfrah em declarações recentes. «Mas na verdade a fuga e a migração definiram a modernidade desde o século XIV». O cineasta sentiu como «dever moral» intervir no debate em curso, para contrariar o esquecimento e a falta de perspectiva histórica que continuam a condicionar a resposta dos governos, media e opinião pública europeus. Para Akomfrah, «se a noção de ‘Ocidente’ é hoje inerentemente instável, também o é a dos seus ‘perfeitos contrários’: tão pouco eles ficaram ‘imaculados’ e ‘não-contaminados’ com esta instabilidade.» A exposição prossegue até 10 de Abril. WW

Astro Noise de Laura Poitras

Astro Noise de Laura Poitras

O Whitney Museum of American Art, em Nova Iorque, apresenta «Astro Noise», a primeira exposição individual de Laura Poitras, artista, cineasta e jornalista que nos últimos anos tem trabalhado temas como a vigilância em massa, a guerra do terror, o programa de drones dos Estados Unidos, Guantánamo, a ocupação e a tortura. Alguns destes assuntos têm sido abordados por Poitras através de filmes, como «Citizenfour» (2014), premiado com o Oscar de melhor documentário de longa-metragem, tendo ainda recebido um Prémio Pulitzer pelo seu trabalho de reportagem também em 2014. O título «Astro Noise», é o nome que Edward Snowden deu ao ficheiro encriptado que continha a informação sobre vigilância em massa praticada pela Agência de Segurança Nacional (NSA) norte-americana, que este forneceu a Poitras em 2013.

Laura Poitras «ANARCHIST: Data Feed with Doppler Tracks from a Satellite (Intercepted May 27, 2009)», 2016. Impressão a jacto sobre alumínio, 114.3 x 164.5 cm. Cortesia da artista

Laura Poitras convida-nos a repensar o potencial que existe para um artista explorar e transmitir a natureza do poder e a sua própria responsabilidade perante as suas manifestações no mundo moderno. Sobre a sua obra refere: «Gosto muito da ideia de criar um espaço que desafia os espectadores e pedir-lhes para tomarem decisões. Os meus filmes são sobre estas questões – o que as pessoas fazem quando são confrontadas com escolhas e riscos»

Laura Poitras, «ANARCHIST: Israeli Drone Feed (Intercepted February 24, 2009)», 2016. Impressão a jacto sobre alumínio, 114.3 x 164.5 cm. Cortesia da artista

A exposição consiste numa série de instalações inter-relacionadas no oitavo andar do Whitney, que documentam o pós 9 de Setembro nos Estados Unidos, envolvendo os visitantes em formatos diferentes do seu cinema não-ficcional. Poitras cria ambientes imersivos, que incorporam imagens documentais, em que o espectador é sujeito a vários estímulos e interage com os materiais de forma muito directa e muito próxima. Segundo Jay Sanders, o curador da exposição, a artista «Com as suas instalações, transforma as suas imagens em movimento em direcção a outras formas de abordar e envolver os visitantes, apresentando a cultura e os mecanismos de vigilância e a guerra do terror de modos muito diferentes, através de experiências visuais estruturadas que fornecem bastante mais do que informação e leva a audiência a entrar numa experiência visceral». Nalgumas peças, o espectador é chamado a vivenciar e a sentir um ambiente de forma muito intensa como acontece, por exemplo, em «Bed Down Location» onde, quando o espectador se deita e olha para cima, tem uma sensação muito vívida de como é a guerra feita por drones. «Estou muito interessada em fazer coisas duras de se ver», diz Poitras.

Laura Poitras, «Laura Poitras filming the NSA Utah Data Repository construction in 2011». Fotografia: Conor Provenzano

Em vez do tradicional catálogo, Laura Poitras e Jay Sanders editaram uma obra original, «Astro Noise: A Survival Guide for Living Under Total Surveillance», que será publicada no final de Fevereiro. O livro inclui contribuições que vão do jornalismo à crítica de arte, com textos de artistas, escritores, académicos e outros, que procuram responder aos desafios da vigilância em massa. Entre eles, o artista Ai Weiwei, o escritor e editor Dave Eggers, o ex-prisioneiro de Guantánamo Bay Lakhdar Boumediene, a escritora e investigadora Kate Crawford e o próprio Edward Snowden. «Astro Noise» está no Whitney Museum of American Art, em Nova Iorque, até 1  de Maio. MM

DADA 100

DADA 100

Zurique está em festa, no centenário da criação do movimento Dada. A cidade suíça idealizou um roteiro comemorativo, distribuindo exposições, debates e muitos eventos por espaços públicos e culturais vários, incluindo o célebre Cabaret Voltaire, fundado em 1916 pelos alemães Hugo Ball e Emmy Hennings e pelo judeu romeno Tristan Tzara, entre uma plêiade de artistas decisivos nesse turbulento início de século. Até Julho a instituição, que assinala em simultâneo o seu próprio centenário, acolhe a mostra «165 Dadaístas, 165 Dias de Festa», a qual diariamente homenageia um dos 165 participantes do movimento representados na sua colecção. O Cabaret Voltaire anuncia eventos dadalógicos, académicos, artísticos e especiais, contando-se entre estes últimos uma Benção Dada consagrada a Lady Gaga.

Hugo Ball em performance, representando o mágico Bischof com roupas cubistas, Zurique, 1916

O Museu Nacional de Zurique assinala um século de Dada com uma exposição da arte e literatura do movimento, destacando a sua influência universal e a sua incessante contemporaneidade. A mostra, que inclui objectos, projecções e poemas sonoros, apresenta a célebre «Fonte» de Marcel Duchamp. «Dada Universal», como a exposição se intitula, estará patente até 28 de Março.

Fotomontagem de Hannah Höch, 1920

A Kunsthaus de Zurique comemora com «Dadaglobe Reconstructed», a reconstituição de um projecto de livro que ficou por publicar, com duas centenas de obras de arte, entre fotomontagens, colagens, desenhos, poemas e ensaios, que serão exibidas num contexto expositivo. Os trabalhos de mais de trinta autores, entre os quais Hans Arp, André Breton, Max Ernst e Hannah Höch, podem ser visitados até 1 de Maio, seguindo a exposição para o MOMA, onde inaugura em Junho.

Hans Arp, «Frente de Camisa e Garfo», 1922

Já o Museu Haus Konstruktiv escolheu sublinhar a importância de três autoras dadaístas, Sophie Taeuber-Arp, Hannah Höch e Elsa von Freytag-Loringhoven, em diálogo com as exposições individuais contemporâneas de Ulla von Brandenburg e Sadie Murdoch. A exposição das três artistas, intitulada «Dada Anders», permanece até 8 de Maio. No mês seguinte, e até 25 de Setembro, o mesmo local apresenta uma retrospectiva de Francis Picabia, da fase impressionista à abstracta, destacando o seu papel no movimento.

Peças de vestuário desenhadas por Sophie Tauber Arp para performance com Hugo Ball

Um dos eventos mais curiosos deste Ano Dada é o programado pelo Museu Rietberg. A mostra «Dada Africa» concentra-se na inspiração e bases que o movimento foi buscar às artes e cultura extra-europeias. Materiais, formas, textos e música dos outros continentes são apresentados nesse contexto de valorização e apropriação cosmopolita, uma outra vertente da reacção pacifista e anti-imperialista do movimento, formado em plena carnificina da Primeira Guerra Mundial. «Dada Africa», apresentada em parceria com a Berlinische Galerie, pode ser vista entre 18 de Março e 17 de Julho. 

Marcel Janco, «Masque, 1919

Por fim, Zurique e o movimento Dada também recebem, em vários pontos da cidade, a homenagem da Manifesta 11 - Bienal Europeia de Arte Contemporânea. A curadoria do artista Christian Jankowski, que escolheu o tema «What People Do For Money», pretende «complementar as festividades em torno do centenário de Dada com uma dimensão contemporânea, internacional e visionária». Entre Junho e Setembro, a conferir. WW