Song Dong

Song Dong

A grande obra de Song Dong continua a ser «Waste Not», um trabalho em curso que o artista vem desenvolvendo desde 2005 e que integra agora a mostra retrospectiva que a Kunsthalle Düsseldorf lhe dedica. Esta grande instalação, relacionada com a história familiar de Song, é constituída por mais de 10.000 objectos domésticos, produtos de consumo, recipientes de todo o tipo, vestuário e mobiliário vindos da casa dos pais do artista.

ZHAO Xiangyuan (1938 – 2009) e SONG Dong, «Waste Not - wu jin qi yong», 2005 – ongoing. Cortesia: SONG Dong e Tokyo Gallery + BTAP. Fotografia: Katja Illner

A sua criação está sobretudo ligada à vida da sua mãe, Zhao Xiangyuan, que tendo vivido o empobrecimento e as condições precárias da sociedade chinesa nas décadas de 50 e 60, foi obrigada a gerir uma economia doméstica determinada pela carência e pela poupança, pelo aproveitamento e o não desperdício. O que vemos nesta instalação são colecções de muitos objectos, organizados por famílias, que o artista decidiu transformar em peça de arte e trazer a público, na tentativa de envolver e ajudar a mãe a aliviar a obsessão por guardar e coleccionar qualquer objecto que pudesse ser reutilizado, uma pulsão que a acompanhou até ao fim da vida, em 2008 e que se agravou com a tentativa emocional de preencher o vazio após a morte do marido em 2002. 

ZHAO Xiangyuan (1938 – 2009) e SONG Dong, «Waste Not - wu jin qi yong» (pormenor), 2005 – ongoing. Cortesia: SONG Dong e Tokyo Gallery + BTAP. Fotografia: Katja Illner

Em redor de uma pequena casa de madeira – que só assim sobreviveu às transformações urbanas durante os preparativos para os Jogos Olímpicos de Pequim, em 2008 –, acumulam-se e expandem-se testemunhos da cultura material e dos princípios que marcaram a história social e política da China. Com efeito, partindo das experiências pessoais e da história familiar, Song Dong, como muitos artistas chineses, retratam acima de tudo o impacto que as condições económicas e políticas tiveram e têm sobre a vida individual da população chinesa.

SONG Dong, «My first home», 2012. © SONG Dong. Cortesia: Pace Beijing. Fotografia: Katja Illner

Formado em pintura, Song Dong parou temporariamente de produzir arte em 1989, com os acontecimentos da Praça de Tiananmen, e só retomaria mais tarde uma prática artística associada à performance, à fotografia e ao vídeo. Muitos desses trabalhos estão presentes na exposição, assim como «My first home», em que de modo semelhante apresenta uma instalação/contentor de dimensões reduzidas em que retrata a casa de infância, seguindo uma via semelhante de representação histórica.

SONG Dong, «36 Calenders», 2013. © SONG Dong. Cortesia: Pace Beijing. Fotografia: Katja Illner

Exposta está igualmente a série «36 Calendars», formada por calendários anuais que cobrem 36 anos de história, entre 1978 e 2013, criados e ilustrados manualmente pelo artista a partir de memórias pessoais e da sua perspectiva individual sobre os acontecimentos que marcaram a história social e política do país durante esse largo período de tempo. Trata-se de um trabalho que apresenta ilustrações significativas para cada um dos 432 meses, iniciado pelo artista durante uma residência artística no Asia Art Archive, onde esteve um ano, entre 2011 e 2012, que contou também com o contributo do público.
A exposição prolonga-se até 13 de Março na Kunsthalle Düsseldorf. SVJ

QUATRO de João Botelho

QUATRO de João Botelho

«Como filmar arte?» é a questão que João Botelho coloca no início da nota de apresentação do seu mais recente filme, «Quatro», sobre a obra dos artistas plásticos João e Jorge Queiroz, Pedro e Francisco Tropa.

João Queiroz em «Quatro» de João Botelho

A questão impõe-se de facto: filmar arte e artistas nos seus processos de trabalho constitui um exercício complexo. Por vezes,  este resulta em obras cinematográficas que agigantam os criadores, oferecendo deles e da criação uma imagem de pré-concebido romantismo. É uma perspectiva muito comum em filmes realizados sobre a vida dos «grandes mestres» (mas não só) da história da arte. Outras vezes, distanciando-se dessa visão, procura-se uma maior proximidade ao universo da criação. E quando se trata da arte contemporânea, o registo documental mais «vivo» impera, chamando-se especialistas a comentar o trabalho, e o artista a falar sobre a sua obra e vida. Como do que se trata é de dar a conhecer o que está por detrás da obra, colocando o próprio artista em exposição, o resultado é, em muitos casos, constrangedor, por forçar essa revelação e proximidade.

Jorge Queiroz em «Quatro» de João Botelho

Longe das idealizações e da banalização destes dois modelos, o filme de João Botelho busca uma abordagem menos comum do género, sobretudo no que diz respeito à inserção de formatos de entrevista e de breves depoimentos. Botelho não procura os discursos e testemunhos legitimadores sobre o percurso dos retratados nem a fala directa dos artistas, preferindo na quase generalidade um distanciamento que a leitura de textos seus e de outros autores, por actores ou pelos próprios artistas, consolida.

Pedro Tropa em «Quatro» de João Botelho

No mesmo sentido, para a apresentação dos artistas, Botelho não os circunscreve apenas ao atelier, diversificando e procurando os contextos de trabalho e os ambientes que mais os identificam, visando pela escolha dos locais retratar também a singularidade de cada um dos protagonistas, através da paisagem, dos diferentes processos de trabalho e dos modos de produção. João Queiroz surge primeiro em espaços naturais, dedicado à observação e ao desenho através da realização de esboços e depois à prática de pintura, já no atelier. Jorge Queiroz é apresentado no processo de montagem da exposição «Debaixo das pedras da calçada, a praia!», na Fundação Carmona e Costa. Pedro Tropa, a fazer caminhadas na montanha, à procura de fixar paisagens e momentos transitórios na natureza agreste, que fotografa e desenha a preto e branco. Francisco Tropa, no processo de materialização das suas peças escultóricas, neste caso em oficinas de vidro e de fundição, em Murano (Veneza) e em Vila Nova de Gaia, locais onde o artista produziu algumas das suas obras.

Parte 4 (Francisco Tropa) de «Quatro» de João Botelho

Assim, para lá da intenção e do pressuposto de unidade do filme – um olhar sobre dois pares de irmãos, que Botelho considera «Quatro dos mais importantes artistas portugueses contemporâneos» – a própria estrutura de «Quatro», a sua divisão em quatro partes, bem como essa procura da especificidade e identidade, ajudam a reforçar a independência de cada uma delas. Mais eficazes umas partes do que outras, sendo a de João Queiroz a mais completa e equilibrada, «Quatro» constitui no seu todo uma obra interessante, que pensa o documentário de arte no cinema, e que teve a invulgar oportunidade de chegar à exibição comercial nas salas, alcançando outros segmentos do público. «Quatro» está em exibição no Cinema Ideal, em Lisboa, às 19h30, até 3 de Fevereiro. SVJ

Jordi Colomer, X-VILLE

Jordi Colomer, X-VILLE

Na continuidade de anteriores projectos relacionados com as áreas da arquitectura e do urbanismo em que Jordi Colomer trata questões sobre a construção da cidade, a vivência no espaço público e a expressão do sentido comunitário, na sua mais recente exposição, «X-Ville», na galeria Michel Rein, em Paris, o artista catalão mostra até 27 de Fevereiro trabalhos sobre utopias realizáveis e situações colectivas de construção de espaço público.

Jordi Colomer, «X-Ville», 2015. Vista da exposição. Cortesia: Michel Rein, Paris/Bruxelas

Uma das obras vídeo, apresentada num cenário de anfiteatro no interior da galeria, constitui um verdadeiro «statement». Baseando-se e homenageando a obra do arquitecto e urbanista Yona Friedman, «Utopies réalisables» (1974), Colomer reafirma o princípio – «a utopia pode ser realizada» – apresentando o resultado de um workshop com alunos de L’ École supérieure d’art de l’agglomération d’Annecy (ESAAA), em que colectivamente ensaiam a construção de uma cidade utópica.

Jordi Colomer, «X-Ville», 2015. Still, Vídeo, 28′, cor, som. Cortesia: Michel Rein, Paris/Bruxelas

Com citações de Friedman sobre o modo como nascem as utopias e como se realizam, mas também a uma outra das suas obras, «Manuels» (1975-1992), nomeadamente ao capítulo «Où commence la ville», os estudantes debatem e vivenciam em conjunto momentos de discussão e consenso com vista a tornar efectiva a construção de uma pequena comunidade, encenada aqui com recurso à improvisação e a elementos cenográficos, alguns deles presentes no espaço expositivo.

Jordi Colomer, «X-Ville», 2015. Vista da exposição. Cortesia: Michel Rein, Paris/Bruxelas

A exposição «X-Ville» compõe-se do vídeo com o mesmo nome, da instalação de peças cenográficas e de fotografias relacionadas com esse trabalho, bem como de um outro vídeo, «Svartlamon Parade» (2014). Realizado com partes filmadas na cidade de Trondheim, na Noruega, e com registos históricos, nele Colomer procede ao registo de uma intervenção colectiva de reconquista do espaço público, baseada nas imagens e na memória da cidade, nomeadamente nos filmes e registos de muitas paradas públicas organizadas pelos alunos dos vários departamentos da universidade naquela cidade.

Jordi Colomer, «Svartlamon Parade», 2014. Still, vídeo, 15’, cor, som. Cortesia: Michel Rein, Paris/Bruxelas

Hoje inexistentes, mas com larga tradição no século XX, estas paradas foram promovidas desde os anos 20 até ao fim da década de oitenta pelos alunos, que nelas se expressavam e actuavam sarcasticamente exibindo as suas construções móveis, artesanais e de carácter precário, com o objectivo de ocupar e tornar suas as ruas da cidade.

Jordi Colomer, «Svartlamon Parade», 2014. Vista da instalação. Cortesia: Michel Rein, Paris/Bruxelas

Como nota Jordi Colomer, apesar destes métodos hoje parecerem arcaicos, não valerá a pena ocupar novamente as ruas da cidade e tornar visível uma ideia de participação comunitária nas questões relativas à sua construção?
Colomer defende que a cidade está em contínua transformação, a arquitectura muda mas também as populações circulam e regeneram-se, e acredita que as imagens podem ser essenciais na construção do espaço público, como testemunho do passado e na criação de imaginários projectados para o futuro. SVJ

Streaming Egos – Identidades Digitais: Geografias Mutantes

Streaming Egos – Identidades Digitais: Geografias Mutantes

Geografias Mutantes é o título da participação portuguesa na iniciativa internacional Streaming Egos, que foca a questão da identidade colectiva de Portugal e da Europa na era digital. Como se (auto)-representam a Europa, Portugal e os outros países europeus na cultura digital? Como nos damos a ver? Como vemos a Europa e os outros países europeus?
A convite do Goethe-Institut Portugal, Sandra Vieira Jürgens seleccionou quatro artistas portugueses – André Alves, Claudia Fischer, Paulo Mendes e Pedro Portugal – para desenvolverem o projecto artístico português na Streaming Egos, iniciativa que tem como objectivo questionar, através de um olhar artístico, de que forma as nossas identidades se multiplicam e transformam no mundo digital e as implicações destas mudanças para a nossa representatividade real e imaginária. Os projectos destes artistas estão pensados de raiz para serem apresentados em ambiente online, através da plataforma raum: residências artísticas online.
Streaming Egos é um projecto organizado pelo Goethe-Institut, em cooperação com o Slow Media Institut de Bona e o NRW-Forum de Düsseldorf, que envolve seis países europeus – Alemanha, Bélgica, Espanha, França, Itália e Portugal. O projecto conta com a curadoria geral de Sabria David e com um co-curador nacional que convida artistas, criadores e autores de várias áreas a criar obras de arte e peças digitais sobre a questão da(s) identidade(s) digital(s).
Uma plataforma digital, disponível em http://blog.goethe.de/streamingegos/, com componentes da social web, possibilita o intercâmbio e a participação de todos os intervenientes e dos utilizadores.

I Love John Giorno

I Love John Giorno

A declaração de amor de Ugo Rondinone ao poeta e performer John Giorno resulta numa exposição avassaladora no Palais de Tokyo. A exposição contém em si muitas exposições. É um objecto plural, híbrido, perfeito. É uma exposição individual de um artista (Ugo Rondinone) sobre outro artista (John Giorno) e  simultaneamente uma exposição colectiva que integra, para além da homenagem de Rondinone a Giorno, trabalhos/homenagens de outros artistas (Angela Bulloch, Anne Collier, Rirkrit Tiravanija, Pierre Huyghe, o curador Matthew Higgs, e muitos mais) a John Giorno.

Ugo Rondinone, «I Love John Giorno», Palais de Tokyo, Paris, 2015. © Mário Martins

Dividida em capítulos, inicia-se com o registo filmado em 2011 por Rondinone da performance autobiográfica de Giorno, «Thanx 4 Nothing» (2007), escrita no seu 70º aniversário, em 2006, apresentado em quatro ecrãs gigantescos e monitores dispostos na sala. No segundo capítulo, o espaço é também ele biográfico, com o arquivo pessoal, gigantesco, de Giorno, que Rondinone digitalizou propositadamente para a exposição.

Ugo Rondinone, «I Love John Giorno», Palais de Tokyo, Paris, 2015. © Mário Martins

São mais de quinze mil documentos, com fotografias, peças de álbuns de família, artigos e notas, organizadas por anos, desde 1936, em dossiers colocados sobre mesas e também fotocopiadas em folhas A4 coloridas, dispostas nas paredes por ordem cronológica e distribuídas pontualmente aos visitantes por assistentes que circulam pelo espaço expositivo em patins.

Ugo Rondinone, «I Love John Giorno», Palais de Tokyo, Paris, 2015. © Mário Martins

Este espaço apresenta ainda os quadros-poemas igualmente presentes no capítulo IV, situado numa outra sala, onde, a par de poemas sonoros recriados pela voz de Giorno com as letras disponíveis para leitura em ecrãs de karaoke, temos a reconstituição de «Dial–A–Poem» (1968), um serviço telefónico poético, mostrado na exposição «Information» (1970) no MoMA, em que Giorno convidou mais de 250 artistas a intervir e registar a sua voz. No Palais de Tokyo, temos telefones disponíveis, em que ligando para o número 0800 146 146, podemos ouvir poemas gravados, com a presença intimista da voz do outro lado da linha.

Ugo Rondinone, «I Love John Giorno», Palais de Tokyo, Paris, 2015. © Mário Martins

A estes seguem-se outros capítulos e salas sempre surpreendentes em termos de montagem, de dispositivos e de visões sobre a obra, a vida, a presença e a influência de Giorno na cena cultural e artística dos últimos 50 anos. Numa sala dedicada a «Sleep» (1963) (cap. III), em que Giorno foi a figura principal do primeiro filme de 16 mm de Andy Warhol, recuperam-se fotografias de cena e é projectado o mítico filme.  Seguem-se uma sala budista, com peças artísticas asiáticas e de culto, relativas à religião e à prática de meditação que Giorno se dedicou desde os anos 1970 e outras salas com instalações de vários artistas dedicadas à sua obra.

Ugo Rondinone, «I Love John Giorno», Palais de Tokyo, Paris, 2015. © Mário Martins

Angela Bulloch e Anne Collier, comissariadas por Matthew Higgs, mostram trabalhos dedicados ao projecto Giorno Poetry Systems (GPS), com a criação de um ambiente (Angela Bulloch, «Happy Sacks», 1994-2015), em que Collier disponibiliza o arquivo de mais de 50 álbuns, CDs, vídeo cassetes  de poetas, músicos e performers, produzidos por Giorno (de 1972 a 1993) com o objectivo de dar uma nova pertinência à poesia e criar um novo público para ela, usando as possibilidades dos meios de massas e as novas tecnologias.

Ugo Rondinone, «I Love John Giorno», Palais de Tokyo, Paris, 2015. © Mário Martins

Rirkrit Tiravanija, reapresenta o retrato que fez de Giorno, em performance, no atelier; e, a fechar o ciclo, mostra-se «Sleeptalking» (1998) de Pierre Huyghe, peça produzida a partir de «Sleep» de Warhol, em que mantendo o mesmo enquadramento e ponto de vista do filme original, o artista francês retrata o sono do homem envelhecido, acompanhado de uma banda sonora, com a voz de Giorno a comentar e a narrar o contexto de criação do filme original e a influência e peso da contracultura americana no seu trabalho.
Declaração de amor, «I Love John Giorno» de Ugo Rondinone é acima de tudo uma exposição de poesia, um acto de amor colectivo, raro. No Palais de Tokyo até 10 de Janeiro. SVJ